O teatro da ecologia burguesa (por Arthur Knevitz)
- Fred Paganin Gonçalves
- 25 de jan. de 2019
- 4 min de leitura

Há alguns meses surgiram campanhas no Brasil, com o ar de importadas, contra um sujeito há muito ignorado, um personagem presente nas refeições que é mais coadjuvante do que o guardanapo: o canudinho. Só nos Estados Unidos, por exemplo, são 500 milhões de canudinhos usados diariamente cujos destinos são certamente os lixões, oceanos, praias e os estômagos de animais que os confundem com comida. Vídeos, imagens, cartazes e textos bombaram nas redes sociais alertando para os impactos do uso em massa de algo com uma vida útil tão curta (ninguém guarda canudinho pra usar depois), mas com um tempo de degradação tão longo, afinal, estamos falando de plástico. A pressão de ativistas contagiou o público e tomou a mídia, tanto que no Rio de Janeiro, desde 19 de julho, fiscaliza-se o cumprimento da lei municipal que proíbe estabelecimentos de utilizarem canudos de plástico; somente serão permitidas as versões biodegradáveis ou fabricadas a partir de papel reciclado. E qual o problema? Aproximadamente um ano antes foi publicado um relatório do Carbon Disclosure Project (CDP), uma ONG sem fins lucrativos, voltada à obtenção e divulgação de informações sobre mudanças climáticas, que mostra que 71% das emissões de gases de efeito estufa são causadas por somente 100 empresas [1]. E o que isso tem a ver com os canudinhos?
Notemos que, de tempos em tempos, surge uma nova onda ambientalista visando combater as mudanças climáticas e os rastros de lixo que o ser humano gera ao longo do desenvolvimento de sua espécie. Cada vez que isso surge, um novo vilão é eleito como o grande horror da natureza; e não só é eleito, como surgem “alternativas e soluções” para este vilão que logo se popularizam. Se não fores muito novo, vais lembrar-te das bombásticas campanhas contra a tampinha de lata de refrigerante, de como os animais as engoliam e tragicamente sufocavam com nosso lixo. Com isso, surgiram zilhões de alternativas para o descarte e reciclagem do material - anéis, brincos, colares, pulseiras e até vestidos eram confeccionados usando o produto que, em outro caso, pararia na garganta de algum animal inocente. Surgiu também a urgência por abolir a garrafa PET, com uma moda (um pouco charmosa até) do uso de garrafas retornáveis, quase voltando às origens da expressão “isso é antigo, coisa de mil novecentos e garrafa de rolha”; a rolha não tinha voltado, mas a garrafa de vidro vingou. Ao longo do tempo foram sendo eleitos os mais diversos vilões da vez, com alternativas engenhosas e mirabolantes que, em muitos casos, tomaram raiz e são relativamente populares até hoje: papel reciclado, sacolas ecológicas em vez das plásticas, postos de coleta de tampinhas de garrafa PET e de pilhas, a lista é grande. O que une, porém, estes inusitados itens é o fato de que, um dia, foram o que o canudinho é hoje: o eleito do momento.
Porém, eu te pergunto: resolvemos o problema do meio ambiente? Poderíamos adicionar à lista dos malvados os combustíveis fósseis que trouxeram suas campanhas para busca de combustíveis alternativos (etanol de cana-de-açúcar, milho, beterraba, mandioca, batata), uso de transporte coletivo ou mesmo de transportes limpos, como bicicleta e as próprias pernas para o trânsito, com o benéfico efeito colateral de diminuir os engarrafamentos e trazer fluidez às travadas megalópoles. Porém, lembremos a pesquisa sobre as empresas e a emissão de gases de efeito estufa. São 71% do volume desses gases que saem de somente 100 empresas. O que o Celta do seu Agenor parado na garagem, enquanto ele vai para a firma de bicicleta, vai mudar nesse panorama?
Mudar o combustível para etanol de cana-de-açúcar, porque emite 11% a menos de gases do que a gasolina vai fazer qual diferença tangível frente a essas 100 empresas e suas toneladas de gás carbônico? As alternativas para o uso dos produtos-vilões surgem e algumas se estabelecem, porém o nível de poluição dos oceanos só aumenta, o oxigênio diminui e essas alternativas impulsionadas pela mídia com seus interesses egoístas só servem para impulsionar o consumo de algum produto levemente menos destrutivo (canudinhos de aço inox!) e/ou resolver detalhes, focos de poluição que quando comparados ao todo se mostram tão risíveis quanto secar gelo de iceberg.
E essa é a grande sacada do capitalismo: ele te convence de que seus problemas não são estruturais, não são inerentes ao nosso modo desenfreado de produção, mas o resultado da soma de erros cometidos por pessoas comuns. Vende-te a história de que os oceanos estão como estão somente porque tu tomas suco com canudo, não andas tanto de bicicleta ou esqueceu-se de levar a sacolinha de pano para o supermercado - e vai ser obrigado a pegar as plásticas -, convenientemente deixando de lado o fato de que 46% de todo o plástico no oceano vem de redes de pesca, restos da indústria pesqueira [2]. Empresas queimam e destroem pra suprir uma demanda artificial sem fim, criada em nome do lucro de alguns em detrimento do teu trabalho e do nosso planeta. Impérios crescem sobre nossas árvores e nos estufam de gás tóxico pra te vender algo que nem precisas, para que alguém que já é rico fique mais rico ainda. Não há problema nenhum em adotar as alternativas apresentadas para os “malvadões” da natureza, porém não se deixe enganar e compare o impacto de centenas de milhares de pessoas usando um canudinho de inox frente ao cenário dessas 100 empresas sendo tiradas das mãos gananciosas, que às dominam e às dirigem ao lucro despreocupado e desenfreado, e sendo postas nas mãos daqueles com capacidade e necessidade de tirar proveito real, saudável, justo e ecológico delas: a classe trabalhadora.
Por Arthur Knevitz
[1] – https://climatologiageografica.com/estas-100-empresas-sao-responsaveis-por-71-das-emissoes-de-gases-de-efeito-estufa-do-mundo/
[2] - https://mercyforanimals.org.br/canudinho-redes-pesca
Comments