A propaganda stalinista como um emissor todo-poderoso, e o povo russo como receptor passivo
- Jornal A Pátria
- 31 de dez. de 2013
- 8 min de leitura
Atualizado: 19 de dez. de 2019
(Bruno Torres, 31 de dezembro de 2013).

Vários marxistas-leninistas, defensores do legado de Lênin e de Stálin, reconhecem que houve uma forte máquina de propaganda política em torno de líderes revolucionários, que reforçavam a admiração que o povo soviético já os tinha por eles.
Isso é fato, tanto para Lênin quanto para Stálin. No entanto, essa admiração (ou mesmo o culto à personalidade, se preferirem) que ocorreu na URSS, resistiu por anos, e ainda resiste na Rússia, mesmo depois de décadas da morte de Stálin e Lênin.
Lênin é tão querido entre o povo russo, que numa pesquisa sobre aprovação percentual, ainda, após praticamente 90 anos, teve 55% de aprovação. Stálin logo atrás, na mesma pesquisa percentual, teve 50% de aprovação. Uma quantidade significativa, dado que grande parte da população russa são jovens que nunca viveram o período Stálin, e ainda sofreram com uma grande política de propaganda anti-Stálin (iniciada com Krushev e levada a outro patamar após a restauração capitalista total com Gorbathev).
Entretanto, os anti-stalinistas (em particular os trotskistas) colocam que isto não é um indício válido do quão a gestão de Stálin foi positiva. Alegam que “isso não prova que Stálin não foi um sociopata centralziador”, “um ditador burocrata”, nem “todo poderoso” da União Soviética.
O discurso normalmente utilizado por anti-stalinistas para alagarem tal afirmação gira em torno de frases como: “A máquina de propaganda do Partido Comunista soviético sob a gestão de Stálin empreendeu uma imposição de culto à personalidade tão forte, mas tão forte, que faz com que o povo soviético até hoje tenha resquícios das tais práticas de “impor adoração” ao ditador Josef Stálin”.
Para muitos anti-stalinistas essa afirmação é suficiente, e utilizada como um verdade, para explicar a popularidade atual do mesmo.
Anti-stalinistas (normalmente os declaradamente de direita, mas alguns “de esquerda” também), costumam fazer equiparações das figuras de Stalin e Hitler:
“Stálin e Hitler foram igualmente ditadores e genocidas, inclusive Stálin matou mais do que Hitler" (discurso comum na extrema direita). "Tal como Hitler foi prejudicial ao proletariado alemão, Stálin foi prejudicial ao proletariado soviético”, poderiam dizer.
Ora, que irônico.
Pois, se pegarmos estas equiparações e pegamos a máxima de que “a popularidade positiva atual de Stálin é só fruto apenas da grande máquina de propaganda que ele tinha em prol dele“, poderíamos fazer igualmente com Adolf Hitler? Pela lógica, sim, afinal, a máquina de propaganda nazista era muito mais forte do que a máquina de propaganda soviética. O “culto à personalidade” era instituído de forma agressiva na sociedade alemã.
Isso seria válido se pudéssemos falar também que “a forte adoração que se tem a Hitler entre o povo alemão nos dias de hoje, é resquício da forte máquina de propaganda nazista, que impôs tão fortemente a adoração à Hitler, que até hoje, boa parte do povo alemão, o admira”…
Entretanto, não podemos! Por quê?
Uma parte considerável do povo russo nos dias de hoje, ainda admira Stálin (50% de acordo com a pesquisa citada, para ser mais exato), e isso são afirmações de fontes confiáveis (Instituto Levada Center, de Moscou, que realizou a pesquisa/estatística de maneira plenamente imparcial) [2]… Diferentemente, Hitler é rechaçado fortemente pelo povo alemão.
Defender o nazismo ou Hitler nos dias de hoje, mesmo que de maneira discreta e/ou “enrustida”, é motivo para você perder certo crédito com a sociedade. Entretanto, na Rússia atual, é perfeitamente comum a população admirar Stálin, o que é comumente visto como algo bom, onde veteranos e populares levam retratos de Lênin e Stálin em marchas e em demonstrações de admiração pública.
Por isso, há uma tremenda brecha na linha de racicínio dos que assim o pensam.
Os anti-stalinistas de direita, e até os “de esquerda”, desconsideram inúmeros fatores que deveriam ser levados em conta por qualquer pessoa que queira se debruçar sobre o assunto.
Os principais fatos que eles desconsideram é: 1) O povo não é um receptor de informações passivo plenamente ludibriável, 2) a máquina de propaganda soviética não tem superpoderes, nem poderes atemporais.
Os outros fatores que desconsideram, não tão prioritários, mas também importantes, são: 1) contrapropaganda à Stálin, isso é, a forte propaganda anti-stalinista.
O POVO COMO RECEPTOR PASSIVO, E A “PROPAGANDA STALINISTA TODA PODEROSA” [3]
O que seria isso? Vejamos.
Por esta linha de raciocínio: que considera que o povo russo só tem esse alto índice de admiração à Stálin por conta da máquina de propaganda do Partido Comunista da época de Stálin, ela acaba reforçando a inverdade de que os povos são receptores passivos de qualquer propaganda político-ideológica.
Esse tipo de alegação sustenta afirmações como a de que: “A propaganda falou, o povo escutou. O povo é um receptor passivo que é moldado por um emissor todo poderoso. O que o emissor diz, o povo absorve e pronto”.
Vou expor o problema deste tipo de inverdade: De fato, na relação de propaganda e povo, o povo de fato é um receptor de informações de ideologia disseminada pela propaganda. O problema é que o “receptor” digere a informação de diversas maneiras e tem sua própria experiência da realidade.
Exemplo: Se a comida está horrível, é improvável que o povo, consumidor de tal comida, vá aceitar a propaganda como a realidade. O povo vai contrapor as duas coisas (a realidade que ele experimentou e a propaganda que ele assimilou).
É só ver através da história o fracasso e o desgaste inútil de certas tentativas de doutrinação, especialmente no caso de ocupações estrangeiras. Podemos citar o caso da colonização do continente americano por parte dos Europeus. Índios que mais foram dizimados do que convertidos às concepções ideológicas e culturais do homem branco europeu da época.
Essa mentalidade dualista, funcionalista, que muitos anti-stalinistas possuem (incluso aqui os trotskistas) que alegam que “O povo russo admira o legado de Stálin, não por saldo positivo, mas porque eles receberam uma “educação stalinista” e “doutrinação anti-trotkista”… essa mentalidade, abre precedente para afirmar que o povo russo só admira Stálin, e com ele seu legado, porque não conhece “a palavra do seu salvador, Trotsky”.
Independente disso, como já foi aqui exposto, o povo não é uma massa totalmente moldável. Há alguma razão concreta (que não a propaganda) para a memória de Stálin ser um tanto positiva, se não ela já teria sido corroída, e toda sua popularidade estaria na lama (e não com um saldo tão considerável como está hoje).
OUTRO FATOR QUE DESCONSIDERAM: A PROPAGANDA ANTI-STALINISTA
Bom, no que concerne a afirmação de que “a popularidade de Stálin se mantém só porque a propaganda stalinista foi muito pesada” (como se a propaganda nazista fosse bem leve…), eu acabei de apresentar argumentos na sessão anterior do texto, desconstruindo esse reducionismo que prega que o povo é um receptor passivo, e a propaganda um emissor todo poderoso. Mas há outros pontos que podem derrubar as intenções de afirmações como essa.
Se os anti-stalinistas alegam tanto o poder grandioso ao emissor ideológico, a propaganda política e etc., porque o inverso, por eles, não é considerado?
Se a propaganda, o “emissor”, é tão poderoso assim, ele pode ser igualmente poderoso no que concerne a propaganda negativa.
Como já falei anteriormente, a propaganda não tem o poder de nos forçar a acreditar em algo contrário da realidade (apesar de nos tentar empurrar para tal em muitas situações). Então já não parto dessa linha de pensamento, mas se a propaganda tem algum poder de prestigiar a imagem de algo, ela tem o mesmo de desprestigiar; inclusive de líderes revolucionários. E se houve propaganda política em prol de Stálin, houve mais ainda em prol de que sua imagem fosse colocada por água abaixo. E não houve propaganda negativa de Stálin apenas na Rússia, como havia em todo mundo!
Se a propaganda partidária da URSS sob a gestão de Stálin é critério para deslegitimar a balanço positivo que o povo russo atribui à Stálin, porque a propaganda anti-stalinista que foi efetuada não é usada para deslegitimar a “má fama” que Stálin tem na esquerda ocidental?
E ainda indago mais: porque a propaganda anti-stalinista que foi efetuada na Rússia não é utilizada pelos anti-stalinistas para afirmarem coisas como “mesmo com a forte propaganda contra Stálin e contra seu legado, a sua popularidade ainda permanece considerável após décadas, gerações e anos de doutrinação anti-stalinista”?
Porque não é conveniente a historiografia burguesa, e nem é conveniente aos ditos “de esquerda” que com ela fazem coro.
As provas das colossais propagandas que buscam difamar o legado de Stálin e sua figura como líder revolucionário e renomado estadista, não são poucas.
As pessoas que falam em “educação política anti-trotskista” ou “doutrinação política stalinista” para tentar deslegitimar a popularidade de Stálin que ainda resiste hoje, corriqueiramente são as mesmas que desconsideram outros “processos de educação política”.
Não podemos esquecer de que quando Krushev assumiu a direção da URSS após a morte de Stálin, o mesmo iniciou um processo de propaganda anti-stalinista agressivo, e em muito baseado em inverdades.
A partir daí começa o processo de “desestalinização” da URSS e do Partido Comunista. A ofensiva anti-stalinista foi tão pesada, que tal pauta de “desestalinização” foi decretada para todos os Partidos Comunistas (no mundo) daquela época que tinham mínimas relações com o PC(b)US – Partido Comunista (Bolchevique) da União Soviética.
O PCB (na época Partido Comunista do Brasil) foi um deles (e até hoje o partido que se afirma como herdeiro do 'pardidão', é indiretamente afetado por fatos históricos do passado).
Nesse processo de “desestalinização” na URSS, não só teses de partido e discursos baseados em inverdades eram utilizados, mas também difamações públicas à Stálin.
Historicamente, podemos perceber que a partir da gestão de Krushev começa o declínio do socialismo, da economia planificada, do partido enquanto vanguarda do povo e etc., na União Soviética. Mas a dissolução de fato da URSS se deu muito mais tarde. E com esta dissolução – oficial – da primeira nação socialista, vem com ela um forte massacre da memória comunista.
E isso tudo, junto com a repressão ao povo russo nas ruas, porque se opunham a restauração capitalista [4].
Na Rússia, inúmeras faculdades de história foram fechadas por alguns anos, e o curso acabou por passar por uma reformulação. Os cursos de história passaram a ser reorganizados pela Igreja Ortodoxa. Com isso, começaram a se implementar aulas que eram praticamente “aulas de anticomunismo” [5].
Além disso, boa parte dos jovens destes cursos foram frequentadores da escola dominical.
O PRESTIGIO DE STÁLIN TEM COMO BASE, NÃO A PURA E SIMPLES PROPAGANDA, MAS SIM OS SEUS REAIS MÉRITOS!
Considerando tais fatos, podemos entender que há uma razão concreta e material para que e popularidade de Stálin ainda permaneça como está.
O fato de Stálin ter seu legado lembrado como algo positivo por uma parte considerável do povo russo, não é por conta da pura e simples propaganda, mas por conta de seus reais feitos e méritos para a construção do socialismo na URSS, e em apoio aos revolucionários de todo o mundo. Se Stálin fosse o demônio vermelho que os anti-stalinistas tanto pintam, não haveria propaganda que segurasse seu prestígio.
Inclusive, considerando que segundo as pesquisas do Instituto Levada Center, que colocou Stálin com um índice de 50% (Lênin ficou com 55%) de aprovação do povo russo, devemos considerar toda a propaganda anticomunista/anti-stalinista que prevaleceu após a restauração capitalista na Rússia.
Afinal, se não fossem as difamações anticomunistas efetuada pelos que dirigiram a restauração capitalista na Rússia, a popularidade de Stálin provavelmente estaria ainda maior!
Devemos considerar que no que concerne a Stálin, seu prestigio passa por mais provações até mesmo que Lênin, devido ao fato de que Lênin apesar de ser visto maus olhos em setores da esquerda (a “esquerda libertária”, anarquistas, etc.), Stálin é o maior alvo de críticas, que partem desde os “libertários”, revisionistas, trotskistas e até aos “marxólogos” mais dogmáticos e academicistas. Além, é claro, de ter sido maior alvo das ofensivas da direita política, sobretudo na época da Guerra Fria.
Manter o prestigio que este homem ainda tem, entre os populares para os quais ele governou, mesmo diante da anti-propaganda que ele passa de 1956 aos dias atuais, é uma tarefa para um verdadeiro Homem de Aço.
NOTAS:
[2] – Idem.
[3] – Esta seção e a próxima, deste texto, são em sua maior parte, argumentos e conteúdo oriundos do debate tratado com alguns anti-stalinistas no grupo de debates do VàE. Informações e contribuições colocadas em comentários meus, mas também de André Drumond Ortega e Pedro Marin.
[4] – http://galeriavermelhoaesquerda.blogspot.com.br/2013/10/4-de-outubro-de-1993-russos-vao-as-ruas.html
[5] – O termo anti-stalinismo é muito citado no texto. Ainda que se tenha uma ênfase particular na difamação à Stálin, o anti-stalinismo é intrinsecamente ligada ao anticomunismo, e não são coisas totalmente dissociadas, embora certas correntes “de esquerda” tentem alegar que não.
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