A pátria está sangrando... (por Breno Magalhães)
- Breno Magalhaes
- 8 de mai. de 2020
- 8 min de leitura
“Os sonhos do Mercado Mundial são o pesadelo dos povos latino-americanos” GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. 12. Edição. São Paulo: L&PM, 1999.
“Os países latino americanos crescem para fora e para dentro se esquecem” Augusto César.

O Brasil desde sua colonização foi inserido no mercado mundial como um local de superexploração da força de trabalho. Nosso país sempre conviveu com uma força de trabalho a mercê dos mandos e desmandos da classe dominante, esta última submissa até os ossos às potências imperialistas do momento. Nesse sentido, o modelo de exportação de commodities e repressão do mercado interno é essencial para a manutenção do julgo imperialista sobre o nosso Brasil. Contudo, é importante ter em mente que não é só por sermos exportadores de matérias primas que advém nossa submissão, outros fatores como a baixa produtividade do trabalho, tecnologias ultrapassadas, uma história de como a burguesia brasileira se formou pelos lucros do tráfico humano de pessoas e pela escravidão generalizada das mesmas, possuem peso monstruosamente importante na nossa realidade.
Em 2019 o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 1,1%, abaixo mesmo do ano anterior 1,3% que já era um crescimento de estagnação se não a continuação absoluta da crise, pois a população brasileira cresceu 0,79% entre julho de 2018 e julho de 2019. Sendo que, a nossa economia nunca conseguiu voltar ao patamar de 2011 quando o PIB chegou a 2,616 Trilhões de dólares e nem ao menos estamos perto disso atualmente, o economista Paulo Gala já chega a falar em mais uma década perdida para entrar na nossa história. Para além disso, as reformas fiscais iniciadas depois das eleições de 2014, intensificadas pelo governo de Michel Temer e aprofundadas por Jair Bolsonaro geraram toscas monstruosidades, como por exemplo o teto de gastos, na qual o economista Marco Antonio Rocha do instituto de Economia da Unicamp profere as seguintes observações: “ Amarraram a própria capacidade do governo de reagir no curto prazo”, “Aos poucos, fomos cancelando a possibilidade de utilização de mecanismos importantes para a resolução de crises no curto prazo. Isso está inserido inclusive em reformas muito anteriores, como a Lei de responsabilidade fiscal, do governo Fernando Henrique Cardoso. Essas reformas impedem as políticas anticíclicas”.
Se já não bastasse as tensões internas, as tensões externas estão acabando com o país. As ações da Petrobras chegaram a cair 30% depois de tensões na Arábia Saudita e o despencar dos preços do petróleo dos EUA. O nível de incerteza dos mercados e a espoliação dos capitais são refletidas na completa instabilidade cambial que o governo de Jair Bolsonaro combate queimando as reservas de dólares em uma espécie de venda de janta para comer o almoço. Esse conjunto de depressão dos investimentos se juntando com uma crise internacional, mais uma pandemia global já levou o desemprego a 12,2% da força de trabalho com tendência de crescimento. E isso sem contar com o número de desalentados e em uma análise bem realista são esperados 17,8 milhões de desempregados. O cenário é tão sombrio que mais de 30 milhões de pessoas se cadastraram no auxílio emergencial, é interessante que o governo sanguinário de Jair Bolsonaro só queria oferecer 200 reais ( a oposição conseguiu que fossem 600 reais). Tudo isso em um contexto no qual 40% dos trabalhadores são informais, teto de gastos para investimento na saúde e educação, brigas políticas e diplomáticas com a China (nosso maior parceiro comercial), um presidente contrário ao isolamento social, e um ministério econômico neoliberal. O futuro a vista é de terra arrasada.
O plano econômico dirigido por Paulo Guedes é a pedra angular da defesa dos interesses dos monopólios nacionais e internacionais. Além da aplicação do teto de gastos, podemos inserir a continuidade e aplicações de contrarreformas como a trabalhista, previdenciária (essa última realizada no seu governo). Essas transformações nas relações de trabalho causam um ambiente de completa intensificação da informalidade, subocupação, poucos direitos trabalhistas na qual o nível da taxa de sindicalização no país está em queda livre. Nesse cenário, emerge os grandes empregadores que podem nos salvar, UBER e Ifood, que já são os maiores empregadores do Brasil. Em uma economia puxada pela “complexidade produtiva” de transportar pessoas e comida a carro, o que poderia dar errado? Em contraste, economias planificadas como China e Vietnã em plena pandemia devem crescer respectivamente 1,2% segundo o FMI(2020) e 3,3% segundo Standard Chartered (2020), agora a nossa complexa economia neoliberal puxada por Uber e Ifood deve retrair 5,3% segundo o FMI.
Após um mês de quarentena parcial, nas principais cidades brasileiras, a crise sanitária e a total paralisia arquitetada e projetada pelo Governo Federal que se recusa a ajudar estados e municípios está se intensificando. Cada dia o número de mortes não para de crescer, a subnotificação está alarmante, a USP trabalha com o número de infectados acima de 1,2 milhões, em contraste aos números oficiais de 91.589 mil infectados, um abissal abismo entre os dados. Um outro dado para ter em mente é que as taxas de ocupações nas redes de UTI para pacientes do corona vírus já superam 70% em pelo menos 6 estados da união. Rio, Pernambuco, Ceará, Amazonas, Pará, Espirito Santo ( os 2 primeiros possuem ocupação de mais de 90%)e em estados com menor capacidade de investimento como Amazonas já estão faltando serviço funerário e caixões. É essencial que nós trabalhadoras e trabalhadores organizados façamos algumas perguntas fulcrais: “ Como chegamos até aqui? ”, “Quais erros cometemos? ”, “Como podemos sair disso? “.
ANÁLISE DO GOVERNO BOLSONARO
Desde a sua posse o governo Bolsonaro vem aparelhando as instituições com o objetivo claro de retirada de direitos, ascensão do pensamento ultraconservador, uma clara consolidação de setores ligados as igrejas neopentecostais. Somando a isso uma clara ligação automática ao Pentágono já demonstrada pelo vice-presidente Mourão que chamou Trump de “nosso presidente”, o caráter do governo pode e deve ser entendido como uma fusão dos interesses da burguesia interna e externa com uma retomada total do neoliberalismo e associação com a ideia de supremacia ocidental. O que pode ser levantado também são algumas pequenas contradições da burguesia representada pelas brigas entre presidente da Câmara dos deputados Rodrigo Maia e o Governo Federal, mas essas contradições são pequenas e frequentemente chegam em um denominador comum entre ambas as partes. O grande exemplo disso são as constantes negociações entre Maia e Bolsonaro mediada pela ala militar do governo, com Maia falando que parte do “centrão” pode fazer parte da base do governo de Bolsonaro. E vale a pena lembrar que tanto Maia quanto a Câmara dos Deputados votaram igual ao Governo nos grandes temas centrais da grande política nacional. Outra prova fundamentada de que essas divergências podem ser facilmente conciliadas são a existência de mais de 26 pedidos de impeachment contra o Bolsonaro, mas que o próprio presidente Maia fala que não pretende levar nenhum desses pedidos adiante.
E o posto Ipiranga Paulo Guedes? Suas ações na frente do Ministério da Economia foram de voltar toda a sua expertise para as privatizações de estatais e instituições. A prova mais cabal disso foi o lançamento do Programa de Parcerias e Investimentos que tem como objetivo a privatização de 50 empresas estatais, subsidiarias e ativos públicos sendo algumas delas de setores estratégicos e com alta tecnologia (qualidade difícil de se achar em grande parte do setor privado brasileiro). Paulo Guedes até março já havia vendido 91,3 bilhões de reais em ativos. O privatista nessa mesma época iniciou um projeto de venda de ativos da Petrobras (TAG e BR distribuidora), aeroportos e campos do Pré-sal. Agora faço uma observação de um fato ignorado por boa parte da mídia e da esquerda nacional: em 2019 foi aprovada a privatização do sistema de água e luz, serviços fundamentais que são essenciais para o controle da pandemia e para a mínima realização de direitos já conquistados.
E se isso for pouco vou mostrar algumas ações na qual parecem nunca ter acontecido de tão poucas vezes que são faladas pelo noticiário nacional. Entre elas estão a Medida Provisória da Liberdade Econômica, uma ação do governo na tentativa de estimular as empresas atacando direitos dos trabalhadores e desregulamentando normas. Com parceria a essa medida temos o arrocho de programas como Mais Médicos e Minha Casa, Minha Vida. Tudo isso com o teto de gastos que em 2 anos tirou do SUS 22,5 bilhões de reais, manteve a educação, tecnologia e infraestrutura represada e além disso temos a Carteira de Trabalho Verde e Amarela que efetivamente pode revogar direitos como FGTS,INSS e entre outros.
SOBRE OS MILITARES E A INGENUIDADE
O Governo bolsonarista já é o Governo no qual os militares possuem maior número de representantes e cargos, e continuam a se fortalecer a cada dia mais e mais graças as próprias tensões internas e externas que emergem no seio da classe dominante. Suas próprias contradições, discordâncias e resoluções passam pelas manobras políticas dos militares, tendo como objetivo a garantia e a consolidação de taxas de lucro cada vez maiores, mais encorpadas e a hegemonia do seu poder de classe. A cada instante do surgimento de desavenças os militares são a balança de apoio do presidente e deles partem a primazia da articulação com o Congresso. Podemos notar isso nas entrevistas e coletivas de Mourão sem a presença do presidente em que ele demonstra opiniões contrárias as do presidente, assim tentando se apresentar como uma saída mais humana na crise. O mesmo Mourão que havia protagonizado há pouco tempo um episódio de eugenia louvando o “branqueamento da raça”. É importante aqui mostrar a importância dos militares no jogo político, e rechaçar qualquer representante deles como alternativa viável.
Se pegarmos América Latina como um todo, observaremos o crescimento de democracias tuteladas pelos militares ou ditaduras veladas em meio a uma pandemia que pode adiar eleições desse ano em vários países. Deveremos então nos fazer algumas perguntas: E se eles gostarem do poder? Aqui cabe ao leitor responder, pois pegando o exemplo do Brasil, o exército sempre foi uma força política muito fortemente presente e já realizou tantos golpes de estado que já se tornou rotineiro aos bons leitores de história se depararem com eles. Mas o que esperar deles com um governo que cada vez mais precisa deles, cada vez mais tem mais deles? E quando não se contentarem em ser o equilíbrio do regime? Política seria uma forma de poder e legitimidade ou de um diálogo entre setores civilizados unidos contra barbárie?
Será uma coincidência que o atual diretor da ABIN é amigo da família Bolsonaro e já ter trabalhado para a família há muitos anos? Ou o fato de Bolsonaro ter usado a estratégia da Cambridge Analytica de disparos em massa para se eleger? São perguntas pertinentes para que possamos analisar a verdade por trás da verdade das políticas desse Desgoverno. Não é possível ter uma análise minimamente séria sem que vejamos que entre as trapalhadas e vacilações retóricas do Governo existem táticas e estratégias na qual podemos ver uma tomada de legitimidade quando a própria esquerda enxerga no Mourão, Maia, Paulo Guedes, Moro, Doria e Luciano Huck como alternativas viáveis.
Imaginemos um jogo no qual todos estão sentados em suas cadeiras, a direita na direita e a esquerda na esquerda de uma mesa. Só que agora o Bolsonaro está puxando a mesa cada vez mais a direita fazendo com que figuras nitidamente antipopulares se figurem como se alguns momentos tivessem sentados na esquerda, mas não! Tudo muito longe desse esperto movimento. Portanto, mesmo que as brisas do Bolsonaro passem por algum motivo, a poeira que foi levantada pelo bolsonarismo ainda estará aí e ela já incomoda.
AVISO AOS CAMARADAS
É essencial lembrar que a crise não foi recorrente do corona vírus, o corona vírus intensificou a crise e a agravou. E um dos motivos por ela estar tão forte no Brasil são as próprias ações do Estado brasileiro cooptado pela burguesia que a cada dia nos castra da nossa própria soberania. Nosso país vem sofrendo retrocessos que acho difícil de serem resolvidos a curto prazo, acredito que a tendência é a barbárie cada vez mais aguda ganhar forças. Contudo, é dever de nós comunistas estarmos de pé na nossa luta, mobilizando os trabalhadores das cidades e do campo, disputando corações e mentes. Acredito na nossa luta e na força dos trabalhadores superexplorados do Brasil e do mundo. Socialismo ou barbárie! Venceremos!
Bibliografia
Breno Dias Magalhães
*** dados tirados nos dias 1 e 2 de maio.
Comments