Argentinos apelam para clubes de trocas e compras no atacado para driblar a inflação de gestão Macri
- Jornal A Pátria
- 26 de set. de 2018
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Preços já subiram 24% este ano. Clientes adquirem grandes volumes e fazem escambo .

BUENOS AIRES — O preço da farinha duplicou em menos de um ano, os ovos e o óleo estão em alta. As compras diárias estão virando uma dor de cabeça para muitos argentinos, que apelam para clubes de troca de produtos ou aos mercados atacadistas para enfrentar a inflação galopante que assola o país.
— Está complicado fazer todas as compras em um único lugar. Caminhamos o dia todo para encontrar os melhores preços — explica Agustina Saravia, em frente às barracas da feira semanal em Nueva Pompeya, um bairro de Buenos Aires onde residem famílias de classe média baixa e outras ainda mais modestas. — Aqui, o quilo do tomate custa 50 pesos, as verduras custam 30 — disse a atriz de 30 anos, antes de verificar os preços dos produtos no mercado vizinho, para só depois decidir onde e o que comprar.
Assim como Agustina, a maioria dos clientes do mercado estuda os preços dos cartazes com atenção, hesita, compara-os e só mais tarde, talvez, voltem para adquirir um quilo de maçãs ou alguns vegetais.
Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (Indec),entre janeiro e agosto, a inflação acumulada foi de 24,3%. No caso dos alimentos básicos, a alta é muito mais perceptível com os picos registrados pelo preço da farinha (115%), ovos (56%) e óleos (40%).
Outra forma encontrada pelos argentinos para se defender da inflação são as compras no atacado, modelo no qual muitas redes de supermercados se especializaram nos últimos anos.
—Se eu comprar um pacote de arroz por dia, eu compro dois pacotes familiares aqui — diz Vanessa Ledesma, mãe de quatro filhos em frente a um supermercado atacadista, ao qual chegou depois de 40 minutos de ônibus.
Vanessa, uma estudante de enfermagem, vai uma vez por semana para procurar os preços mais interessantes. No seu carrinho, as compras do dia são limitadas a quatro ou cinco produtos básicos.
— Eu não comprei muito porque os preços subiram — afirmou, lembrando que, em agosto, o tomate aumentou 10%, o frango 8% e a batata 7%. — Quem paga pela crise são os pobres, que não recebem em dólar — reclamou, referindo-se à disparada da moeda americana na Argentina.
Desde janeiro, o peso já perdeu metade de seu valor frente ao dólar, em meio a uma crise de confiança dos investidores em relação à economia argentina, que enfrenta um déficit nas contas externas e crescente resistência da população local às reformas propostas pelo governo do presidente Maurício Macri.
Clube de trocas
Em um espaço verde, atrás da estação de trem em Monte Grande, cerca de 40 quilômetros ao sul de Buenos Aires, as compras no atacado têm outro aspecto. Tamara, de 28 anos, veio trocar alguns pacotes de açúcar comprados no atacado há alguns meses.
Sem emprego, com uma filha para sustentar e aluguel para pagar, o comércio de troca-troca tornou-se para ela o único meio de lidar com a crise.
— Vou me virando como posso. Há dois meses que não vou ao supermercado. Compro tudo por escambo, troca. Venho três vezes por semana — disse a jovem, logo após a trocar dois quilos de açúcar por conservas, tomates e roupas.

Surgidos durante a devastadora crise econômica de 2001, os clubes de troca nunca desapareceram completamente na Argentina. As dificuldades econômicas atuais fizeram com que voltassem a ganhar força e, agora, as redes sociais facilitam os contatos entre clientes em potencial.
— Nos organizamos vía Facebook para que as pessoas possam ter pedidos para sexta-feira e fazer trocas concretas (...). Alguns gastam até uma hora de viagem — explica Miriam Silva, uma das administradoras do grupo “Solidarity Exchange MG”, de cerca de três mil integrantes e que realiza uma sessão de troca toda sexta-feira, em Monte Grande.
Os candidatos ao troca-troca, em sua maioria mulheres, são identificados por meio de números marcados em faixas ou nas costas.
— Nós não nos conhecemos, mas nos ajudamos — diz Liliana Trobiano, uma enfermeira de 46 anos que sustenta seus dois filhos sozinhos e participa pela primeira vez de uma feira de troca.
No caso dos medicamentos, cujo preço também aumentou consideravelmente, o grupo decidiu que eles só serão dados através de doações, e não por troca.
— Somos também uma rede solidária — diz Miriam Silva.
O GLOBO
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