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GetOut, Djonga, Baco e o embranquecimento do rap: suas posições frente a indústria musical branca

  • Foto do escritor: Jornal A Pátria
    Jornal A Pátria
  • 27 de jan. de 2019
  • 8 min de leitura

Atualizado: 23 de ago. de 2019

Dentre várias histórias e possibilidades, entrou-se quase em consenso que o nascimento do rap aconteceu nas periferias estadunidenses, como forma de protesto e diversão dos imigrantes africanos - em sua maioria - e também latinos. No Brasil, as emboladas nordestinas são vistas como o ponta pé inicial do estilo no país, porém o real hip-hop (cultura que tem o rap como uma das categorias) foi desenvolvido e abraçado pela periferia paulista e carioca, nos bailes blacks, muito populares na década de 80. (TEPERMAN, 2015)

O estilo musical que se popularizou com poesias rimadas em beats pelos mestres de cerimônia - os MCs - que corriqueiramente em seus versos denunciavam injustiças sociais e raciais influenciou bastante os jovens dos anos 90, numa levada de MCs que hoje conhecemos como parte integrante do old school. Entre eles podemos citar os Racionais MCs, Sabotage, o grupo Facção Central, MV Bill e muitos outros. Porém com a chegada dos anos 2000, a força que esse ritmo tinha nas periferias perdeu um pouco de efeito e o fenômeno da globalização acabou importando ritmos, músicas e até mesmo aperfeiçoando o funk, que então se tornou parte da identidade do favelado do eixo Rio/SP.


Todo esse contexto é necessário para que possamos compreender o que será discutido a partir deste ponto do texto. A globalização, obviamente, também impactou na maneira de produção do rap e depois de uma década maturando, pode-se concluir que em 2010 surge uma nova cena do estilo; forte e competitiva no mercado. Surgem nomes como Emicida, Criolo, Projota e até mesmo o grupo Pollo - sim, é defensável Pollo como um dos precursores do trap nacional. Cada um tinha sua particularidade na produção musical, mas todos fazendo rap, gestando uma geração que anos mais tarde iria movimentar a indústria musical brasileira. Alguns anos a frente surge Costa Gold com o disco “.155”, o Haikaiss com os speeds flows (rimas aceleradas) e então, finalmente, Sulicidio, de Diomedes Chinaski e Baco Exu do Blues.


A faixa “Sulicidio” é uma espécie de marco temporal no rap brasileiro. Foi com rimas agressivas que os rappers pernambucano e baiano pediram espaço para uma nova maneira de se pensar o rap, de se viver o rap, foi o momento em que a branquitude que passara a dominar a cena teve que devolver o espaço aos negros, aos periféricos, aos marginalizados, às minorias. A partir de versos como “sem amor pelos rappers do Rio nem paixão por vocês de São Paulo”, “Nordeste, não teste!” e “Esses MCs são tudo favela gourmet”, nomes como Diomedes Chinaski, Baco Exu do Blues, BK, Djonga, Luiz Lins e muitos outros, de maioria homens negros passou a reintegrar a cena e ganhar destaque em eventos e festivais.


Desde o lançamento da track em questão, a popularidade do rap tornou-se inquestionável em âmbito nacional. Festivais importantes passaram a colocar o rap negro em suas lineups, parafraseando o Exu do Blues é “o preto em outro patamar”, mas como ele mesmo fala em “Faixa Preta”, track de seu primeiro ep solo OLDMONKEY “é som de preto, de favelado, que toca pra boy e pra pati nas boates onde os preto é barrado”. É impossível para quem está dentro da cultura hip-hop e acompanha este momento do new school do rap nacional não notar o “complexo get out”: com o boom do estilo todo mundo quer ser preto, ser negro virou moda, um dos seus estilos musicais mais marginalizados está nos ouvidos de todas as classes sociais.


Entretanto, até o rap produzido por estes artistas ser seduzido (ou não) por uma indústria branca, ocorre um processo que se assemelha ao que encontramos na narrativa do filme “Get out”, de 2017. Não é que os rappers estejam se entregando aos seus opressores, mas há uma sedução que os induz a isto. Assim como aconteceu com Chris - interpretado por Daniel Kaluuya - que fora seduzido por Rose, personagem de Allison Williams, os rappers começaram a ter seus produtos musicais e até mesmo performance e corpos percebidos pela indústria musical, que tratou de se aproximar deles, encorajá-los (este não é o ponto negativo), mas também a exigir algumas posturas adotadas pelo mainstream.


É sabido que a indústria é branca e racista, falamos de rap num Brasil que ainda respira escravidão, seria, no mínimo, inocência acreditar que exigências de mudança em conteúdos e postura não seriam adotadas. Nosso ensaio foca especificamente na postura de dois artistas, Djonga e Baco Exu do Blues, porque eles são dois dos negros retintos mais aclamados no new school e porque suas produções trilham caminhos completamente distintos.


Após o sucesso de “Sulicidio” ninguém parou o Exu do Blues, seu nome foi falado nos principais portais de rap, sua lírica agressiva, seus versos cheios de ódio e verdade confirmaram que ele merecia o espaço que estava reivindicando. Veio “999”, “Tropicália”, “Escama” e alguns outros singles antecedendo seu primeiro álbum. Estes trabalhos cativou e atraiu um público que já vivenciava o rap, era muita gente, de vários lugares falando sobre o baiano e aguardando seu álbum, que prometia mexer ainda mais com a cena, mas tal público era simples, gente com pouco dinheiro, moradores de periferia, talvez até assalariados ou desempregados, aqueles a quem realmente o rap abraçava e dava voz, aqueles com quem os versos fortes, brabos, mas ainda assim cheios de influência, feitos por Baco, aliviava o peso do peito. Mas aí veio Esú, seu primeiro álbum, que cumpriu o que prometia, mexeu com a cena, mexeu com o público, mexeu com Diogo (pessoa que dá vida e voz ao Baco), mexeu com Baco e mexeu com a indústria. O disco trouxe história da negritude, trouxe a discussão de que pessoas negras e pobres sofrem de problemas psicológicos, trouxe alento pro coração das pessoas negras, trouxe autoestima, tudo isso em beats envolventes e muito bem trabalhados, foi um obra diferente de tudo que estava sendo lançado, mas, ironicamente, a faixa com maior número de views, logo a que mais ganhou destaque, foi “Te amo disgraça” - que hoje já tem 18 milhões de cliques somente no youtube, número maior que a soma de cliques em todas as outras faixas do disco - que destoa da narrativa criada no álbum, que traz menos impacto e relevância para o que o rap propõe.


“Te amo disgraça” rendeu ao Baco reconhecimento nacional, prêmios, participação em lineups de festivais importantes, cantando para um público que só sabia cantar “bebendo vinho, quebrando as taças, fodendo por toda a casa”, mas assim como o Chris que teve a Rose como primeira namorada branca, lá em Get Out, Baco gostou de desbravar o novo, queria este desafio e começou a “tatear” o terreno dos brancos. Seduzido pelo sucesso de sua lovesong, o Exu do Blues começou a replicar a fórmula nas poucas faixas que lançou antes do seu segundo álbum, e mesmo atingindo parte de seu público “original”, suas novas canções agradava mesmo ao público branco dos festivais. Em meio as suas mudanças nas composições, a performance também foi alterada, de homem sério, bravo, cheio de verdades imutáveis, Baco se tornou o ursinho fofo que todo mundo quer abraçar. É difícil parar para pensar quando a indústria o hipnotizou e colocou uma nova pessoa dentro do Baco de “Sujismundo”, comparar seus primeiros trabalhos pós-sulicidio e dizer que é o mesmo artista que compôs o BLUESMAN, seu segundo álbum. Na verdade, na faixa homônima ao disco, é possível identificar um pouco de sua força, mas isso se perde ao longo das outras faixas, que repetem a base da fórmula “te amo disgraça”, é o Exu do Blues fofinho e cheio de amor falando em quase todas as faixas, conversando com artista branco (Tim Bernardes) num espaço que ele mesmo reivindicara anteriormente para os negros e mais, para justificar o quanto ele destoa do seu eu de “Sulicidio”, Diogo passa a não mais se dizer rapper, agora ele só é músico, músico da nova MPB. Mas isto não é uma crítica específica ao BLUESMAN, tem muito mais a ser falado sobre este disco - que é belíssimo - mas dentro da nossa atual discussão, bluesman é o produto quase que final do processo cirúrgico criado pelos Armitage, é o negro reprogramado para beneficiar aos brancos. Quem vai colocar um flash na cara do Exu?


Na contramão de todo esse embranquecimento está o Djonga, artista que ganha projeção na cena após “Sulicidio” e faz questão de agradecer à música e seus compositores por terem aberto espaço para o seu trabalho. O single “sujismundo” foi um de seus trabalhos que o colocou em evidência no mercado do rap, que fervia no pós-sulicidio, e como já lutava para ter seu trabalho reconhecido, viu naquele momento uma ótima oportunidade de emergir e conquistar ao público, foi o que aconteceu, o mineiro ganhou seguidores cantando sobre as injustiças raciais e sociais, falando sobre como ser preto e pobre o apresentava perspectivas diferentes sobre o mundo. Assim como o Baco da epóca, ele representava o hip-hop, o povo, era o que as pessoas passavam, foi fácil criar identificação.


Seu primeiro álbum, intitulado “Heresia” Djonga trouxe discussões que muitas vezes não chegava a favela, a pessoas com pouco estudo. Ele falou de misoginia, machismo, abandono paterno de uma forma simples, bruta e direta, além de trazer, com versos fortes, questões necessárias às minorias, ainda mais às pessoas negras, pobre e faveladas. O disco o fixou na cena, não tinha mais como parar o Djonga: era o preto, falando pra preto, politizando os pretos, empoderando os pretos. E ele continuava fazendo evento para preto. Talvez não só para pretos, afinal aderir costumes negros virou tendência, mas o Djonga continuava fazendo evento para o público do rap.


O momento pedia que ele fizesse as conhecidas lovesongs, o mercado pedia isto e o Gustavo (pessoa que dá vida e voz ao Djonga) percebeu, mas não se deixou envolver. Mesmo que antes do lançamento de seu segundo disco ele tenha lançado “Ludmilla”, uma homenagem a mãe de seu filho, a vibe da track era diferente do que vinha sendo feito e entre versos e participações em músicas com muito poder negro, Djonga lança no início de 2018 “O menino que queria ser Deus”, uma obra genial, completa, de muita revolta com o sistema, empoderamento negro, questionamentos e também de amor, mas não aquele amor completamente meloso, que tanto agrada aos brancos e a indústria, mas um amor ainda mais profundo: o amor pelo seu filho e o amor pela mãe de seu filho - que não era mais sua companheira. Ele mostrou que o amor também é deixar ir.


É interessante como Djonga referencia em seu disco o filme “Get Out”, na faixa “Corra!”, é como se ele falasse de toda essa sedução que a negritude vem sofrendo para ser descaracterizada e perder sua essência somente para satisfazer a porção branca dominante da sociedade ou, no caso dos rappers, da indústria musical, mas parece que a hipnose não pegou nele, porque Deus - como ele se denomina - se mantém inabalável em suas críticas às estruturas conservadoras, ao sistema que todo dia extermina a juventude negra e ao empoderamento de seu povo. É incrível como a indústria está pagando participação de Djonga nos festivais; um artista negro que não mudou sua postura para ganhar dinheiro e ainda assim tá ganhando dinheiro. Entretanto, se você pensa sob a perspectiva de “Get out” esse fenômeno não é surpreendente, afinal as pessoas com mais instrução e conhecimento não querem ser racistas, até se apropriam da cultura negra para estarem na moda e esse ponto o próprio Djonga já percebeu e até cantou “já se apropriaram de tudo, minha mente me diz get out, gustavo, corra!” e mesmo resistindo em sua postura e poesia, ele vê as pessoas brancas que usufruem de seus privilégios e do racismo estrutural cantando “fogo nos racistas”. Essa é sua dicotomia, correr para ter autonomia sobre seu corpo e pensamentos e assim como o Chris, travar uma batalha contra o embranquecimento todos os dias.


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