O Rio de Janeiro e a Guanabara nos anos 1970
- Camarada C.
- 2 de set. de 2018
- 14 min de leitura

A história recente da política fluminense tem, inegavelmente, um claro divisor de águas: a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro em 1975. Tema controverso, a fusão dos dois estados continua suscitando discussões dentro e fora da academia, com autoridades e personalidades declarando-se contra ou a favor até de uma possível desfusão (Motta, 2001: 19).
Não obstante, a fusão teve claras implicações tanto política como econômicas para o território fluminense e para o carioca. Vantagens e desvantagens nos diversos campos sociais ocorreram, dada a complexidade desse ato. Portanto, uma discussão sobre os impactos da fusão sobre a economia e o cotidiano da população não deixa de ser pertinente para iniciarmos uma discussão sobre o rumo político que o “novo” Estado do Rio de Janeiro veio a percorrer no período coincidente, no plano nacional, com o da chamada “abertura democrática”.
A fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro
A simbiose existente entre a cidade e o Estado do Rio de Janeiro data do período imperial brasileiro. O primeiro ato que viria a iniciar a conturbada relação político-administrativa entre as duas localidades ocorreu em 1834, quando a cidade do Rio de Janeiro foi declarada município neutro. A cidade permaneceria com essa condição jurídica por mais de 50 anos. No entanto, em 1889, ano da proclamação da República, o Rio de Janeiro foi alçado à condição de distrito federal (Ferreira; Grynszpan, 2000: 117).
No governo de Juscelino Kubitschek, a cidade mudaria novamente seu estatuto jurídico, perdendo a condição de capital do país. Em meio a debates sobre o seu destino, ou seja, se voltaria a ser incorporada ao Estado do Rio de Janeiro ou se viria a ser um estado autônomo, venceu a última opção e, em 1960, a cidade do Rio de Janeiro se torna um estado federativo com o nome de Guanabara (Ibidem: 118). Após quinze anos desfrutando do status privilegiado de ser a única cidade-estado do país, é decretada, pelo governo federal, a fusão dos dois estados dando origem ao novo Estado do Rio de Janeiro. Niterói, então capital do Rio de Janeiro, perdeu seu status jurídico-administrativo e a nova capital passa a ser a cidade do Rio de Janeiro.
As interpretações acerca da fusão apontam, via de regra, para dois argumentos distintos: um de caráter técnico e outro histórico. O primeiro seria produzido pelos meios oficias e dariam conta de que a fusão teria um caráter eminentemente técnico, isto é, seu objetivo precípuo seria o de melhor equilibrar a federação brasileira, criando-se, com o novo estado, um contraponto a Minas Gerais e a São Paulo. Igualmente, havia também a questão da integração metropolitana que, no caso da Guanabara e do Rio de Janeiro, desaguava em uma situação sui generis, pois haveria uma Região Metropolitana, porém dois estados (Freire, 2002: 172).
Corroborando essa primeira premissa, a do caráter técnico da fusão, Cunha, em texto contemporâneo à fusão, insere esse processo no bojo do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), enxergando a medida como um ato necessário, tendo em vista a necessidade de integração nacional e, em especial, da região Sudeste. Dessa forma, o autor coloca algumas questões sobre os estados do Rio de Janeiro e da Guanabara que, de acordo com seu raciocínio, teriam sua solução apenas com a fusão dos dois estados (Cunha, 1975: 35):
Como conciliar a necessidade de expansão industrial na Guanabara com a redução dos ritmos de crescimento populacional? Como organizar a área metropolitana do Rio de Janeiro, se existia a duplicidade da administração estadual? Como diminuir os índices de poluição, sem distribuir as indústrias para mais distante das zonas urbanizadas, se estas distâncias se encontravam além dos limites estaduais? Todos os caminhos indicavam a fusão (Ibidem: 35).
Sendo assim, Cunha encara a fusão como um benefício para a população dos dois estados, pois com isso, efetivamente o Rio de Janeiro teria se tornado um estado à altura de seus companheiros da região sudeste. Para justificar tal afirmação, o autor argumenta que com a criação do novo estado, o Rio de Janeiro foi alçado ao segundo lugar em diversos campos da indústria, como a construção civil, construção naval, setor elétrico, de alimentos e de bebidas, pesca, entre outros (Ibidem: 42).
A literatura sobre o tema não discorda, de modo geral, dos benefícios econômicos que a fusão trouxe para o novo estado do Rio de Janeiro. De certa forma, é até natural a subida no ranking nacional, pois se somou um estado a outro. Todavia, por trás desse caráter “técnico” da fusão, estaria embutida outra questão: a maneira como o governo federal encaminhou o projeto, ou seja, seu caráter autoritário (Motta, 2001: 19-20).
Os autores abordam o assunto, em sua maioria, enfatizando o caráter autoritário da medida. Não obstante, reduzir a fusão apenas a um ato do governo federal, desprezando a atuação dos atores locais seria um engano. Até porque, a própria ideia de fusão não era nova, perpassando boa parte da vida política do município e do Estado do Rio de Janeiro (Ferreira; Grynszpan, 2000: 119-122).
A visão de uma fusão desproblematizada, fruto da exclusiva ação federal, ao invés de clarear, obscurece e limita a compreensão de aspectos centrais do próprio regime militar, dos processos de tomada de decisão, dos espaços efetivos de manobra então existentes, das relações e das lutas entre os agentes políticos, das visões mesmo da política, e assim por diante. Ela incorpora, além disso, a representação tradicional das áreas em questão como exclusiva da política nacional, desconsiderando a atuação de suas forças numa perspectiva mais especificamente local (Ibidem: 120).
Nesse sentido, a análise da posição dos representantes dos dois estados no Senado, é bastante elucidativa. De um lado, a bancada fluminense se dividiu sobre o assunto, com Paulo Torres agindo nos bastidores contra o tema, Vasconcelos Torres, sendo um árduo defensor do projeto por ele chamado não de fusão, mas de reunificação, chegando a afirmar em discurso que “é a mesma história, é a mesma geopolítica, a mesma economia, a mesma gente”, e Amaral Peixoto contra o projeto, embora agindo com grande moderação em seus discursos no plenário (Freire, 2001: 63-65).
No concernente à bancada carioca, a rejeição ao projeto foi unânime, com discursos dos senadores apelando tanto para o prejuízo econômico que a fusão traria à Guanabara como à identidade carioca muito diversa da fluminense (Ibidem: 6568). Teriam sido em vão os discursos e posições defendidas pelos senadores dos dois estados, sem surtir nenhum efeito no processo de fusão que estava em curso? Ao que parece, os discursos acabaram surtindo pouco efeito sobre o que foi anteriormente planejado. A despeito de suas posições, o fato é que o novo governador do Rio de Janeiro acabou sendo nomeado e não eleito.
[…] Primeiro, por ter sido lançado o problema em ano eleitoral; segundo, a fusão aludida impede as eleições de um Governador e um Vice-Governador do MDB da Guanabara, já plenamente asseguradas; terceiro, por suscitar dúvidas sobre a eleição provável de candidatos do MDB pela Guanabara e pelo Estado do Rio de Janeiro ao Senado Federal; quarto, por admitir a conversão do pleito para constituição de duas Assembleias Legislativa (sic) – onde o MDB tem franca possibilidade de alcançar bancadas numerosas – em uma única Assembleia, de caráter constituinte; quinto, por importar na redução das representações dos dois Estados nos Legislativos estadual e federal, – tudo configurando brusca mudança no processo do jogo eleitoral em pleno curso do processo (Diários do Congresso Nacional, seção I, 19/04/1974, p. 1833-34 apud Evangelista, 1998: 89).
A nomeação do Almirante Floriano Peixoto Faria Lima acabou por desagradar os políticos locais que viram nessa atitude uma imposição do governo federal em assuntos locais. Tal ato decepcionou tanto arenistas como emedebistas, visto que o almirante tinha um histórico apolítico. Segundo o próprio Faria Lima, sua nomeação se deu justamente pelo fato do presidente não querer nenhum político, no sentido restrito da palavra, no governo do novo Estado do Rio de Janeiro. Ao relembrar sua conversa com o presidente Ernesto Geisel, o militar foi claro ao afirmar: “Ele disse que precisava de uma pessoa de prestígio e que cumprisse a legislação […] precisava de um governador que não fosse político.” (Motta; Sarmento, 2001: 30)
Durante todo o processo de fusão, o MDB da Guanabara procurou demonstrar estar aberto ao diálogo. Entretanto, caracterizava o ato do governo federal como político-partidário e autoritário. Provavelmente, anteviam o problema que iriam enfrentar na composição do diretório regional do MDB do novo estado, visto que:
A fusão não era um tema restrito apenas à política local, pois no desenrolar do processo, a executiva nacional do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) pronunciou-se, em nota, declarando-se contrária à fusão dos dois estados, atribuindo um caráter político ao fato. Segundo a nota, vários seriam os motivos para se desconfiar das reais intenções do governo:
A fusão traria sérias dificuldades para a corrente amaralista do MDB, que dominava o diretório fluminense, pois Amaral Peixoto temia ser o lado mais fraco na disputa em torno do domínio da legenda do novo estado, haja vista o peso político e eleitoral da antiga Guanabara no momento da fusão e, também, por conhecer a força política de Chagas Freitas.
Amaral Peixoto, principal liderança política do estado do Rio, percebia que a fusão traria uma subordinação das forças fluminenses aos interesses cariocas, como efetivamente aconteceu com o controle político do novo MBD do estado recém-criado pelas forças políticas da cidade do Rio de Janeiro (Ferreira, 1997: 97).
Ato técnico, autoritário ou político, o certo é que a fusão formou um estado forte no âmbito federativo do país. A forma como foi implantada, dado o próprio regime político do país não foi das mais democráticas, apenas para usar um eufemismo. No campo político, é difícil pensar a fusão como um instrumento do regime militar para enfraquecer o MDB “oposicionista”. De acordo com Freire, a medida não pode ser entendida como tal, haja vista a enorme desenvoltura de Chagas Freitas junto aos militares (Freire, 2002: 179). Nesse sentido, autor corrobora o estudo de Diniz, quando esta afirma que:
[…] em termos ideológicos, a facção dominante do MDB fluminense, identificada, à luz da contenda partidária, como corrente situacionista no partido da oposição, distanciava-se da coalizão hegemônica nacional, cujas divisões internas viriam a acomodar-se numa configuração de teor nitidamente oposicionista face ao governo federal (Diniz, 1982: 48).
Dessa forma, cabe discutir o impacto que a criação do novo estado teve na dinâmica interna dos dois partidos, visto que com a fusão dos respectivos diretórios, duas linhas políticas divergentes entre si passaram a ocupar um mesmo espaço no MDB do novo Rio de Janeiro: o chaguismo e o amaralismo
O MDB na Guanabara e no Rio de Janeiro
Durante o regime militar, o MDB obteve no estado da Guanabara expressiva votação para os cargos proporcionais, tanto na esfera estadual como na esfera federal, mantendo um padrão muito superior à média nacional desde a implantação do bipartidarismo até a fusão da Guanabara com o Rio de Janeiro.
O eleitorado carioca tinha um padrão de aceitação invejável em relação ao MDB, com destaque para o Senado, onde o partido vencia com visível facilidade. Na Câmara dos Deputados, o MDB carioca também mantinha um percentual de deputados elevados, se comparados aos outros estados. No que refere à Assembleia Legislativa, sua representatividade, girando em torno de 70%, fazia com que o partido tivesse, ao longo de três legislaturas, quórum superior a dois terços, tornando-o praticamente um “rolo compressor” frente à Aliança Nacional Renovadora (ARENA).
No entanto, apesar de possuir maioria parlamentar na Guanabara, o MDB carioca caracterizava-se, desde meados da década de 1960 e principalmente no transcorrer da década de 1970, por ser um diretório regional sui generis em relação aos demais diretórios da federação:

Assim, o MDB da Guanabara era considerado a “oposição mais governista do país”, tal era seu comprometimento com a política do governo federal. Uma afirmativa como essa, em si contraditória, se assenta principalmente no fato da principal liderança do partido no estado da Guanabara, Antônio de Pádua Chagas Freitas ter pautado sua carreira política, desde a implantação da ditadura civil-militar de 1964, por uma atitude conciliatória com a esfera federal.
A própria opção de Chagas Freitas pelo MDB em detrimento da ARENA teria sido tomada segundo um cálculo bem pragmático: a opção do eleitorado fluminense. Como era perceptível à época que o eleitorado carioca era, em sua maioria, contrário ao golpe de 1964 e, por conseguinte, ao partido do governo, ARENA, Chagas decidiu ingressar no MDB para não ser punido nas urnas pelo eleitorado carioca. (Sarmento 1999: 97-99).
O MDB da Guanabara era caracterizado pela proeminência de Chagas Freitas dentro do partido. Apesar de o governador conviver com algum tipo de oposição interna, o fato é que o MDB da Guanabara estava a serviço da máquina chaguista, como podemos reconhecer no discurso do deputado federal Florim Coutinho, denunciando a posição contraditória do governador em relação à direção nacional do partido. Nas palavras de deputado,
[…] o governador da Oposição da Guanabara nada tem de oposicionista e usou apenas a legenda do MDB para eleger-se. Não é um moderado, nem ao menos se esforça com sua presença para dar novos rumos ao Partido. Nada quer, ou quis com a Oposição a não ser a legenda e o poder. Obteve-o, tirou a máscara. A Oposição, como Partido, devia dar seu testemunho reagindo internamente a essa farsa (Diários do Congresso Nacional, 08/05/1974, p. 2538 apud Evangelista 1998: 89).
É interessante notar que, mesmo no MDB, Chagas Freitas não se esforçava de forma alguma em negar sua simpatia ao regime civil-militar vigente. Enquanto governador da Guanabara (1971-1975) teria dito inclusive “que se considerava um homem do MDB a serviço da Revolução de 1964” (Diniz, 1982: 56).
Como fator explicativo para a consolidação do domínio chaguista no MDB carioca, dois são os pontos centrais: em primeiro lugar o fato de Chagas Freitas, após ter assumido a liderança do partido, ter organizado pessoalmente os diretórios zonais do estado da Guanabara, promovendo a destituição das lideranças que lhe faziam oposição ora através do aumento de filiados favoráveis ora criando entraves para a filiação de elementos contrários a sua liderança. Segundo Coutinho,
Já disse e repito que os diretórios zonais do MDB, na Guanabara, foram organizados pelo Sr. Chagas Freitas, tendo nas mãos os 25 livros das respectivas zonas eleitorais nos quais foram inscritos o número mínimo de eleitores, colocando na direção e como delegados dessas zonas pessoas de sua confiança pessoal, que compuseram o diretório regional. Feito isso, fecharam o partido. Ninguém entra sem prévio exame pessoal do Sr. Chagas Freitas (Diários do Congresso Nacional, 08/05/1974, p. 2537 apud Evangelista, 1998: 89).
Um segundo ponto a se considerar na montagem da máquina chaguista é a ampla utilização de seu periódico, o jornal O Dia, que lhe ajudou em sua carreira política, na filiação partidária acima discutida e também no incremento de sua bancada legislativa, visto que através do jornal, veículo com considerável inserção popular, fazia também a propaganda de seus correligionários (Abreu; LattmanWeltman, 2001: 34. Logo,
A existência de uma base política ao nível local, ao lado de uma máquina jornalística já consolidada, voltada para um vasto segmento do público urbano não alcançado pela grande imprensa, constituiu os alicerces do esquema político articulado, no período pós-64, sob a liderança de Chagas Freitas (Diniz, 1982: 60).
Em outras palavras, pode-se dizer que a proeminência de Chagas Freitas no MDB e na política carioca assentar-se-iam principalmente em duas bases: controle dos diretórios partidários e forte influência midiática junto à população de baixa renda. Conjugados, esses seriam os pilares do chaguismo na Guanabara, com uma atuação política muito semelhante à definição do boss (chefe político) weberiano.
Quanto ao antigo Estado do Rio de Janeiro, também havia um grupo hegemônico dentro do MDB. Esse grupo consolidou-se principalmente a partir da década de 1970, era a chamada corrente “amaralista”. O grupo recebia essa denominação devido à figura central do partido à época, o então senador pelo estado do Rio de Janeiro Ernani do Amaral Peixoto.
Após a implantação do bipartidarismo, o senador, principal liderança fluminense do PSD, acabou ingressando no MDB. Contudo, sua liderança dentro do partido só viria se consolidar mais tarde, pois segundo o próprio Amaral Peixoto, inicialmente o MDB do Rio de Janeiro era “dominado” pelo grupo do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Somente depois, mais precisamente em 1970, após sua eleição para senador a corrente “amaralista” se tornaria hegemônica dentro do partido (Camargo, 1986: 495-497).
A liderança exercida por Amaral Peixoto no Rio de Janeiro diferia em muito da exercida por Chagas Freitas na Guanabara. Não dispondo da máquina política que seu rival instalara na Guanabara, Amaral exercia sua liderança principalmente através de sua experiência e de seu reconhecido carisma pessoal (Ferreira, 1999: 171173). Assim, segundo Paulo Duque, deputado chaguista, Amaral Peixoto diferia sensivelmente do temperamental Chagas Freitas. Segundo ele,
As principais figuras ligadas ao Amaral Peixoto eram pessoas com boa escola política. A relação deles com o Amaral era diferente da nossa com o Chagas: enquanto nós tínhamos um medo muito grande do Chagas, eles tinham uma enorme reverência pelo seu chefe. (Sarmento, 1998: 113 apud Ferreira, 1999: 173)
Com a fusão dos diretórios do MDB, Amaral Peixoto percebeu que ficaria em desvantagem diante da corrente chaguista. Tentando minimizar tal situação, o senador começou a se aproximar dos “autênticos” do MDB, que viam em sua figura uma alternativa ao chaguismo.
Todavia, após as eleições de 1974, quando ocorreu a junção das Assembleias Legislativas dos dois estados, ficou clara a desvantagem amaralista em relação aos chaguistas, pois a maioria dos deputados emedebistas provinha da capital do estado, onde Chagas Freitas tinha mais força, ao passo que os deputados do interior ficaram em franca minoria (Ferreira, 1999: 173).

No embate entre amaralismo e chaguismo, Amaral Peixoto contava com a simpatia do diretório nacional e, devido a isso, mantinha forças para disputar o controle do novo MDB fluminense com Chagas Freitas. Entretanto, Chagas Freitas tinha a seu favor a boa relação com os militares e a maioria na Assembleia Legislativa, fatores que pesaram muito na disputa pelo diretório do partido (Ibidem: 169-170).
O processo de escolha do novo diretório fluminense do MDB foi marcado por muitos reveses e intervenções judiciais. Num primeiro momento, Amaral Peixoto, contando com o apoio do diretório nacional, saiu vitorioso, num processo que culminou com o pedido do próprio Chagas Freitas de afastamento do partido. No entanto, “[…] embora tivesse conquistado a chefia formal do MDB no novo estado, Amaral estava longe de ter seu controle efetivo no momento.” (Ibidem: 170).
A verdade é que a máquina chaguista tinha um poder de atração muito maior que a liderança de Amaral Peixoto e o chaguismo já havia penetrado o interior antes mesmo da fusão. Definindo a estratégia de atração utilizada por Chagas Freitas, o senador afirmou que
A política do Chagas é a política do empreguismo. Ele chamava vereadores do interior e dava alguns empregos. Nem discriminava, só dizia: “me dê cinco nomes para eu nomear”. É muito difícil combater essa política, porque o estado é pobre, e não havia mercado de trabalho. Oferecer empregos na capital ou mesmo no interior era muito sedutor (Camargo, 1986: 507).
O comentário de Amaral Peixoto poderia parecer uma espécie de revanchismo em relação ao seu opositor. Entretanto, durante um conturbado processo de afastamento de seu cargo de prefeito no município de São Gonçalo/RJ, em 1980, o prefeito da cidade, Jayme Campos, alegava que tal situação – o afastamento – se dava justamente por estar sendo pressionado por Chagas Freitas, a ingressar no partido deste, isto é, o Partido Popular (PP). Diante de sua recusa em filiar-se ao partido, ele estaria sendo retalhado.
[…] o chaguismo, a maior máquina político-eleitoral do país que, até a fusão, era um fenômeno tipicamente carioca, tendeu a expandir-se por todo o Estado do Rio e a fortalecer-se no próprio município da capital com a indicação de Chagas Freitas para cumprir um segundo mandato no governo estadual (Lima; Dias, 1981: 3).
Dessa forma, mesmo tendo forte apelo eleitoral graças ao seu jornal diário, é com a fusão que, a despeito dos esforços de Amaral Peixoto, Chagas Freitas começa, de fato, a expandir sua influência para o território fluminense, principalmente os maiores colégios eleitorais, como São Gonçalo, Niterói e Baixada Fluminense (Diniz, 1982: 90; Silva, 2008).

Assim, nas eleições de 1978, o chaguismo se consolidou enquanto grupo dominante no Rio de Janeiro, conquistando a maioria da votação para a Assembleia Legislativa, inclusive no interior do estado. Para não dizer que sua vitória foi total, na esfera federal a corrente não formou maioria, mas conseguiu, mesmo assim, expressivo resultado no interior. Até o ano de 1983, quando Chagas Freitas transferiu o posto de governador ao recém-eleito Leonel Brizola, a sua corrente política seria o grupo dominante não só do MDB, mas também da política estadual fluminense.
Considerações Finais
O processo de fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara foi marcado pelo intervencionismo federal, sendo que, em termos práticos, a participação dos políticos locais foi quase nula no decorrer do processo. Procuramos demonstrar, ao longo desse artigo, que a fusão não teve impactos apenas econômicos – objetivo anunciado pela ditadura civil-militar à época -, mas também impactos políticos, em especial nos diretórios estaduais do Movimento Democrático Brasileiro em ambos os estados.
A fusão foi responsável pelo início de uma batalha autofágica dentro do novo MDB no estado recém-unificado que culminou com a consolidação de Chagas Freitas como principal liderança política do novo Rio de Janeiro, suplantando, assim, a liderança exercida por Amaral Peixoto no antigo estado do Rio de Janeiro. Apesar da resistência da corrente amaralista, esta nada pode fazer diante da máquina política chaguista, alicerçada na influência e no capital político pertencentes a Chagas Freitas.
Com a consolidação da liderança chaguista no Rio de Janeiro pós-fusão, uma prática clientelista se difundiu pelo Estado, rumo ao interior, especialmente em direção às cidades de maior quociente eleitoral. Uma prática política baseada no pragmatismo político tornou-se corrente no território fluminense. No embate entre chaguismo e amaralismo, Chagas Freitas levou a melhor.
Comments