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Reação das escolas de samba do Rio em virtude da crise com a Prefeitura

  • Foto do escritor: Camarada C.
    Camarada C.
  • 1 de dez. de 2018
  • 3 min de leitura

Atualizado: 3 de dez. de 2018



Me perguntam o que acho da decisão de algumas escolas de samba que fecharão as quadras em dezembro em virtude da crise com a prefeitura e a liberação das verbas do carnaval.


Responderei do meu modo.


Desfile de escola de samba é carnaval Oxalufânico. Oxalufan é o orixá que tem como positividade a paciência, o método, a ordem, a retidão e cumprimento dos afazeres. Tudo que é contrário a isso representa a negatividade que pode prejudicar seus filhos. Diz um mito de Ifá que, quando se desviou da missão a ser executada e tomou um porre de vinho de palma, Oxalufan quase comprometeu a tarefa da criação do mundo. Em outra ocasião, quando também tentou agir por instinto e teimosia, não seguindo a recomendação do babalaô mais velho, foi preso ao fazer uma viagem ao reino de Xangô, acusado injustamente pelo furto de um cavalo. Curtiu uma cana de sete anos.


O carnaval de rua é Exusíaco. Exu vive no riscado, na fresta, na casca da lima, malandreando no sincopado, desconversando, quebrando o padrão, subvertendo no arrepiado do tempo, gingando capoeiras no fio da navalha. Exu é o menino que colheu o mel dos gafanhotos, mamou o leite das donzelas e acertou o pássaro ontem com a pedra que atirou hoje; é o subversivo que quando está sentado bate com a cabeça no teto e em pé não atinge sequer a altura do fogareiro. Ele é chegado aos fuzuês da rua. Mas não é só isso e pode ser o oposto a isso.


Viver o Exusíaco e o Oxalufânico no carnaval demanda reconhecimento de qual impulso nos levará, em determinada circunstância, a trilhar o ona buruku (mau caminho) ou o ona rere (bom caminho). Alguma dose de Oxalufânico faz um bem tremendo ao que é Exusíaco. Alguma dose de Exusíaco faz um bem enorme ao que é predominantemente Oxalufânico.


Eu acho que está na hora das escolas de samba viverem o risco do Exusíaco, lambuzando de dendê a canjica e dançando no fio da faça afiada. Desistir da festa, calar os tambores, é tudo que o Elegbara, dono do corpo que samba, não aprovaria.


Na aventura de inventar minha vida fora das formalidades montei certa feita oficinas sobre uma história do samba do Rio de Janeiro. Elas eram fundamentadas numa impressão que visa produzir um desconforto reflexivo: o processo de transformação do samba carioca - aquele de enzima banto catalisada pela turma do Estácio e dinamizada na Mangueira, Oswaldo Cruz, Salgueiro, etc. - em símbolo da identidade nacional brasileira, estruturou-se em cinco bases: expropriação, desafricanização, desmacumbização (o neologismo é meu), domesticação e carnavalização do gênero.


No processo de incorporação do samba a uma possível construção identitária feita de cima, cabia tirar o samba das mãos dos pretos que o criaram e amaciá-lo para a indústria fonográfica, atenuando a rítmica macumbada que caracterizava os tambores centro-africanos redefinidos no Brasil.


Era necessário ainda apagar o fato de que a maior e mais vigorosa invenção cultural da cidade do Rio de Janeiro foi obra de uma turma formada por marginais, rufiões, jogadores de ronda, malandros com folha corrida, pequenos trambiqueiros, moços que morreram assassinados, sifilíticos e malucos, batuqueiros das porradas na balança, babalorixás, cambonos, ogãs, trabalhadores informais de viração, etc. A própria docilidade estratégica, afirmativa e protagonista, de Paulo da Portela incomodava este projeto domesticador. Imaginem o que representava a turma do Estácio para o projeto civilizatório de recorte canônico que seduziu, e seduz ainda, segmentos das elites brasileiras?


A carnavalização do samba, já domesticado e livre, do ponto de vista da narrativa, do "lado obscuro" dos sambistas, aliou-se a uma suposta alegria brasileira e funcionou nos tempos mais recentes como um elemento estimulador da inclusão pelo consumo de bens ou pelo desejo de consumi-los. A festa do carnaval, mimetizada nos desfiles das "super escolas de samba", em seu discurso fabular de harmonia e país possível pelo consenso, é aquela que não quer a fresta, propiciadora do inesperado e potencialmente ameaçadora da ordem normativa.


Só que - eis o recado do Congo e dos ancestrais do batuque - a potência que criou o samba carioca está exatamente neste último aspecto, ameaçador e indócil, que muitos dos que se definem como "sambistas" parecem desconsiderar.


O samba é um desconforto potente.


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