Todos deveriam saber o que cai junto com Evo Morales
- Jornal A Pátria
- 11 de nov. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 7 de ago. de 2020
Penso que todos deveriam saber minimamente o que cai junto com Evo Morales no golpe do dia hoje. É uma tarefa difícil elencar as proezas bolivianas, porque elas não são poucas, mas é possível destacar alguns exemplos:

O Estado Plurinacional da Bolívia, assim refundado pelo povo boliviano em sua nova Constituição, marco simbólico de uma nova era de representatividade e participatividade, definido como "livre, independente, soberano, democrático, intercultural, descentralizado e com autonomia" é um caso impressionante de desenvolvimento social e econômico. Ao longo da última década, uma das economias mais frágeis da América Latina diminuiu seu índice de pobreza em mais de 30% e passou a crescer 4,5% ao ano, na contramão do continente que não apenas não cresceu tanto, como esteve inclusive em retração.
Para tanto, a Bolívia iniciou um processo de nacionalização de seus recursos naturais, por meio do decreto "Heróis do Chaco", e fomentou o desenvolvimento estatal por meio de empresas como a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), a gigante que maximiza a receita do Estado e impulsiona a industrialização do país, a transformação da matriz energética e a construção de obras estruturais necessárias ao setor. Bem diferente do que está sendo feito no Brasil, por óbvio. Também é digno de nota o incentivo ao agronegócio durante o boom das commodities e ao plantio de coca (utilizada para fins medicinais, ritualísticos e cosméticos). O próprio FMI reconheceu o desempenho boliviano e a citou também a eficácia de sua política monetária nesse processo.
Entretanto, o aumento da receita pública boliviana por meio do "Modelo Econômico Social Comunitário Produtivo" seria insuficiente se ele não fosse propriamente investido e distribuído. O competente planejamento aplicado às políticas sociais incentivou a formalização do trabalho e redistribuição de renda, garantindo o crescimento do salário mínimo em mais de 120%. Novamente em comparação ao Brasil, um programa boliviano interessante é o Renta Dignidad (Renda da Dignidade), um programa de pensões para os idosos de mais de 60 anos de idade que visa garantir a seguridade social de forma universal. O desenvolvimento educacional, por óbvio, não poderia deixar de ser um dos pilares do desenvolvimento nacional boliviano. A ampliação do número de instituições educativas e de bolsas oferecidas, a reformulação dos métodos de ensino, as novas estratégias de alfabetização inspiradas em Cuba, a contratação e a formação de docentes e a implementação de inúmeros programas de incentivo ao acesso e à permanência escolar, são todas medidas que integram a política nacional boliviana.
Em um país em que 60% da população é indígena, o maior porcentual da América Latina, foi só em 2006 que Evo Morales foi eleito como primeiro presidente de origem indígena. Ao assumir seu terceiro mandato, ele diria: "nosso vice-presidente disse que agora aqui já não decidem os Chicago Boys, mas os Chuquiago Boys. Eu digo: agora aqui não mandam os gringos, aqui mandam os índios" (Chuquiago é o nome dado pelos aymaras à capital La Paz). Isso se concretiza por meio da plurinacionalidade e o reconhecimento dos governos autônomos indígenas. Em relação às mulheres, o país tem lutado contra o alto nível de violência e de feminicídios em seu território. Uma das frentes para isso é a inclusão da mulher na política, promovida por meio de leis de igualdade e de paridade de gênero que garantem 50% de mulheres nas nomeações partidárias, o estabelecimento de cotas parlamentares e em outros instâncias decisórias como os tribunais Eleitoral e Constitucional e o estabelecimento da primeira lei contra o assédio e a violência contra a mulher na política no mundo (Lei 243 de 2012). Por isso, o país oscila entre 2º e 3º país do mundo com maior representatividade feminina.
O horizonte boliviano ao longo dos últimos 13 anos tem sido um horizonte igualitário, um horizonte de dignidade e de fortalecimento da justiça social. O programa nacional sistemático consagrou os avanços simultâneos para as diferentes populações bolivianas, porque só assim a desigualdade é verdadeiramente confrontada. Evo Morales é indissociável disso, curiosamente, um dos programas sociais nacionais se chama inclusive "Bolívia Muda, Evo Cumpre". Contanto, é importante perceber que o Golpe de Estado hoje não tira apenas Evo do poder, mas todo um corpo político e um bem-sucedido projeto de Estado. Como noticiado pelo jornal Sul21 "a violência promovida pelos golpistas, que incendiaram casas e sequestraram parentes de governadores, deputados e lideranças do MAS, gerou uma onda de renúncias. Cinco ministros, o vice-chanceler, o presidente da Câmara dos Deputados estão entre os que deixaram seus cargos. A irmã de Evo também foi uma das vítimas, tendo sua residência incendiada".
Evidentemente, há diversos erros que podemos discutir quanto às políticas de Evo e de seu partido, passando inclusive pela alteração constitucional do plebiscito em relação à reeleição e a própria formação das polícias e dos militares que agora o golpeiam, mas tudo isso se dissipa quando vemos em ação o movimento da Operação Condor 2.0. Assumem os golpistas, assumem os entreguistas, assumem os reacionaristas.
O mínimo a se dizer hoje é: toda solidariedade a Evo Morales e ao povo boliviano!
Comentarios