A China descobre o Brasil: o primeiro capítulo das relações sino-brasileiras
- Camarada C.
- 15 de ago. de 2018
- 4 min de leitura

Em 1889, um alto burocrata da corte imperial chinesa, Kang Youwei, não se encontrava muito otimista quanto ao futuro do seu país. Rebeliões internas, crises fiscais e o avanço do imperialismo europeu ameaçavam as instituições da dinastia Qing (1644-1911). Em meio às dúvidas acerca da sobrevivência da China como uma nação, potências européias como a Inglaterra, Rússia e França já discutiam como partilhar o país. Foi nesse contexto que Kang Youwei sugeriu a emigração em massa e a fundação de uma “nova China” no Brasil. Só assim seria possível evitar a extinção do povo chinês e de sua cultura.
Por que Kang Youwei escolhera o Brasil, um país que ele nunca visitara? Segundo o historiador Mao Haijian, a atração de Kang pelo Brasil pode ser explicada pelos estreitos laços de amizade que cultivava com comerciantes chineses em Macau responsáveis pelo transporte de emigrantes ao continente americano. Ao defender o seu projeto, Kang destacava as terras férteis do vasto território brasileiro, a riqueza natural do rio Amazonas e, principalmente, aquilo que enxergava como o principal atrativo: uma população de apenas oito milhões, o que permitiria ao país absorver as levas de imigrantes que construiriam uma nova China.
A ideia de estabelecer uma China nos trópicos nunca chegaria a ser concretizada, mas marcaria uma mudança de atitude do império Qing em relação ao Brasil.
Historiadores chineses e brasileiros insistem em marcar a chegada de trabalhadores chineses ao Rio de Janeiro em 1810 como o início das relações entre ambos os países. Na verdade, as raízes dos contatos sino-brasileiros se encontram no comércio marítimo português nos séculos 17 e 18. Embora a Coroa portuguesa proibisse o comércio entre Macau, no sul da China, e o Brasil, navios portugueses que chegavam aos portos de Salvador, Recife e Rio de Janeiro abasteciam o mercado com sedas, porcelanas e até braços chineses. Segundo o acadêmico Charles Boxer, há indícios documentais que apontam a participação de trabalhadores chineses na extração de ouro em Minas Gerais durante o século 18.
Os chineses também se beneficiaram desse comércio. Navios portugueses que aportavam em Macau traziam produtos como mamão, mandioca, cacau, goiaba e borracha.
Mas a corte Qing nunca demonstrara muito interesse em aprofundar essa relação. Os poucos escritos que circulavam na China sobre o Brasil _em sua maioria traduções de enciclopédias geográficas européias_ caracterizavam o país como uma região exótica e primitiva, onde peixes gigantes serviam como o principal meio de locomoção e as mulheres preferiam cobrir o seu corpo com os seus longos cabelos em vez de roupas.
Esse desinteresse ficou evidente em 1879, época em que o Brasil resolveu enviar uma missão diplomática à China para negociar o estabelecimento de relações formais entre ambos os impérios. Essa missão diplomática, liderada por Eduardo Calado e Artur Silveira da Mota, tinha como objetivo principal a negociação de um tratado que assegurasse a emigração de chineses para suprir a carência de braços nas lavouras de café.
Mas mesmo antes da partida da missão, diplomatas chineses na Europa tentaram persuadir os representantes brasileiros a abandonarem a ideia, pois não havia nenhum interesse da corte Qing na negociação de um tratado. Além disso, a corte Qing não estava disposta a estimular a emigração de seus súditos ao Brasil, temendo que eles fossem sujeitos às mesmas condições deploráveis de trabalho que em outros países do continente americano.
A missão brasileira resolveu ignorar as resistências do governo chinês e seguiu rumo à cidade portuária de Tianjin, próxima à capital, Pequim. Ela foi recebida por Li Hongzhang, um dos ministros mais influentes da corte Qing. Em seu relato desse primeiro encontro, os enviados brasileiros enfatizaram a sua surpresa com a falta de conhecimento do ministro chinês sobre o Brasil: “A nós o que causou admiração foi a ignorância completa do vice-rei em matéria de geografia; pois entre muitas questões pueris que propôs, relativamente aos nossos limites, perguntou se o Brasil era banhado pelo mar.” Segundo os diplomatas, Li Hongzhang não perdeu a oportunidade de comparar ambos os países e assinalar a superioridade da China em certas áreas. Devido aos maus-tratos que os trabalhadores chineses sofriam em Cuba e no Peru, Li Hongzhang também se opunha à emigração dos súditos de seu império para as lavouras de café.
A missão brasileira conseguiu, após longas negociações e graças à interferência da Inglaterra, assinar um tratado estabelecendo relações formais com a corte Qing. A forte oposição de Li Hongzhang e outros ministros da corte, porém, frustrou as repetidas tentativas brasileiras de incluir no tratado uma cláusula estimulando a emigração de trabalhadores chineses.
A posição da dinastia Qing em relação ao Brasil, entretanto, passou por uma transformação com a visita do militar Fu Yunlong ao Brasil, em 1889. O militar havia sido enviado ao Japão e ao continente americano pelo Zongli Yamen (o órgão do governo Qing responsável pelas relações exteriores) para coletar informações sobre esses países. Após permanecer no Brasil durante um mês (de 7 de março a 5 de abril de 1889), Fu Yunlong preparou um relatório que enterrou as resistências da corte Qing em relação à emigração de coolies chineses ao país. Para Fu, os trabalhadores chineses no país se dedicavam ao cultivo do chá e, ao contrário dos coolies no Peru e em Cuba, não sofriam maus-tratos. Ele enfatizou as oportunidades que o Brasil oferecia aos imigrantes: a abundância de terras virgens e minas a serem exploradas.
Mas a partir desse período, o governo brasileiro passou a reavaliar os seus esforços diplomáticos no Extremo Oriente. A ascensão do Japão como potência regional e os obstáculos enfrentados até então para a contratação de trabalhadores chineses levaram o Brasil a redirecionar as suas atenções em direção a Tóquio.
Estima-se que apenas 2.000 trabalhadores chineses tenham chegado ao Brasil durante o século 19, um número irrisório se comparado às centenas de milhares de japoneses que desembarcaram em São Paulo entre 1908 e o início da Segunda Guerra Mundial.
Comments