Das diferenciações entre a Ditadura Revolucionária e a Tirania Reacionária
- Jornal A Pátria
- 31 de jan. de 2020
- 6 min de leitura
Título original: Das diferenciações entre a Ditadura Revolucionária e a Tirania Reacionária: breves anotações sobre as categorias de ditadura e tirania no vocabulário político (31 de janeiro de 2020).

Sei que "Ditadura" é um termo que tem uma carga negativa, é comum e é compreensível que se tenha, mas nem sempre o juízo de valor cabe ao termo. Em muitos casos o uso do termo Ditadura, sobretudo quando falamos de contrarrevoluções e golpes, constituem essa carga depreciativa e nestas situações é realmente importante que se tenha uma carga moral "negativa" quanto a estas experiências.
Porém, é preciso ter claro que "Ditadura" não é necessariamente "Tirania", ou que Ditadura pressupõe necessariamente uma "decadência tirânica". Embora as Ditaduras Militares da América Latina realmente possam ser enquadradas perfeitamente como "regimes tirânicos" na definição adequada do termo.
Existem Ditaduras e Ditaduras, dentre as quais até ditaduras revolucionárias burguesas (como a liderada por Robespierre). O terror jacobino ou o terror vermelho bolchevique se enquadrariam, também, no uso do termo “ditatorial”.
Se abandonarmos o sentido "contemporâneo" da palavra, saberemos que Ditadura não nos diz sobre legitimidade ou não-legitimidade de um regime. Na própria origem do termo (na Roma Antiga), a ditadura era um mecanismo de prerrogativas legais.
Tirania, todavia, se trata de algo mais específico.
É a expressão política da fraude. É quando a ilegalidade toma de forma plena o poder. Isso é: quando o regime caminha, muitas vezes, à margem da sua própria legalidade ou dos próprios princípios que a ordem vigente alega defender.
A esquerda brasileira durante o regime militar condenava a tortura. Mas sabe também quem condenava e dizia que era crime? Os próprios militares que dirigiam o governo. Durante toda a Ditadura Militar não assumiam os crimes do Estado e negavam as acusações dos democratas e guerrilheiros sobre a prática de tortura contra prisioneireiros (muitos dos quais sequestrados a margem da lei).
Recomendo que leiam a defesa de Fidel Castro perante o tribunal ilegal cubano, defesa esta que ele fez como seu próprio advogado, e que foi intitulada "A História me Absolverá" – amplamente difundida em Cuba e publicada como livro. Nesta obra, Fidel expõem como a legitimidade de Batista não tinha nada de concreto e que, baseando-se nos próprios “princípios demo-liberais” que o Regime Militar de Cuba alegava defender, esta legitimidade estava na lata do lixo da história. Fidel expõe todos esses pontos chegando até mesmo a citar o liberal John Locke e o santo católico Tomás de Aquino, debatendo, com grande propriedade em uma defesa jurídica de circunstâncias adversas, o conceito de tirania e a formulação de uma resistência legítima à tal tirania.
A partir de todo este debate conceitual citando Locke, Aquino e demais referências da filosofia política, Fidel Castro relembra que, no caso do governo de Batista, as circunstâncias eram essas:
1) Quem elegia ou nomeava Batista como presidente eram os Ministros; e
2) Quem nomeava os Ministros era o presidente Batista...
Quando a situação chega a um ponto tal, como descrito acima, é como a grande pergunta milenar de quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha. Quem, nesta equação confusa, nomeia quem? Um verdadeiro ouroboros em podridão, um círculo fechado em si mesmo que não tem como raízes a soberania do voto popular, sendo na verdade um círculo podre de poder que alimenta e “legitima” o próprio círculo podre do poder. É, como já dito, a expressão da fraude, o abandono de qualquer mínima noção de soberania popular.
Concomitante a isso o regime praticava sistematicamente a tortura de prisioneiros, alvejava e matava combatentes rendidos que não apresentavam mais nenhum perigo, era conivente com estupros de militantes aprisionadas. Em resumo: não se tinha ética nem princípios nos combates armados, na política, nos interrogatórios, nas prisões...
E este, a propósito, não era o cenário de toda a América Latina com os golpes militares? Pois, é óbvio que não era apenas um cenário exclusivo de Cuba.
Pois é aí que se traça uma diferença clara entre eles e nós.
A ditadura jacobina, a ditadura do proletariado, o terror bolchevique, a "ditadura da democracia popular" chinesa, etc., estão demarcadas como algo bem distinto de tudo isso, porque elas se baseiam em certos princípios elementares, mesmo com determinados mecanismos "ditatoriais".
1 - Robespierre não criou e incentivou um sistema de porões de tortura. Mas os regimes fascistas modernos o fizeram.
2 - Fidel, durante a guerrilha não alvejava inimigos desarmados ou rendidos, ele na verdade os fazia de prisioneiros conforme preceitos éticos do combate. Mas, todavia, os soldados das ditaduras militares matavam guerrilheiros rendidos ou desarmados sem nenhum pudor.
3 - As condenações a prisões por trabalho na Coreia ou as prisões comuns em Cuba, bem como as penas de morte que houveram em Cuba e na Coreia do Norte após julgamentos públicos, são amplamente divulgadas pelo próprio Estado e por sua imprensa estatal, pois há instituições e forças legais que atuam nestas condenações, por mais duras que elas sejam. Todavia, as prisões ilegais (em realidade, sequestros), e as mortes de guerrilheiros já rendidos (em realidade, assassinatos), sempre foram negadas pelo governo militar, era um tabu, ofuscado pelos censores da imprensa.
A partir daí, e só a partir daí, podemos ter uma noção do que caracterizar como tirania ou não. Apenas com a compreensão desta questão é que podemos demarcar a legitimidade de instituições políticas, bem como a legitimidade do poder político, enquadrando-os “dentro” ou “fora” do conceito de tirania.
A isto, significa também que não devamos ter reações emocionadas quando os inimigos anticomunistas caracterizarem um país socialista como um país onde se existe uma “ditadura”, se por ditadura estão se colocando apenas os procedimentos autoritários convencionais de qualquer insurreição e processos revolucionários. Quanto a isto, devamos expor de fato o que defendemos: uma ditadura revolucionária, distinta de qualquer outra nas sociedades precedentes, mas ainda uma ditadura não só segundo a definição teórica staliniana e leniniana da tradição bolchevique, como na definição geral dos próprios postulados dos fundadores do socialismo científico. Karl Marx nunca usou o conceito de ditadura como uma mera alegoria. O uso da categoria foi deliberado, pensado politicamente para as circunstâncias adversas do dito “holocausto revolucionário”.
Há que se ter clareza, entretanto, quanto as atribuições e difamações realizadas contra o socialismo que vão além da constatação de procedimentos políticos ditatoriais (tais como tribunais populares que podem condenar contrarrevolucionários desde a simples prisão, a colônias penais pautadas por trabalho obrigatório, e até a pena capital) proferindo difamações de que nos Estados socialistas há a prática sistemática de tortura, sequestros e assassinatos (práticas a margem da legalidade) que nos combates armados contra as decadências tirânicas os revolucionários e guerrilheiros eram assassinos covardes que tinham como regra a morte de combatentes rendidos e qualquer fuga da ética, e dentre outras difamações deste calibre – como costuma fazer, por exemplo, contra Ernesto Guevara, ao lhe atribuir a pecha de assassino.
A diferença óbvia entre uma Ditadura Revolucionária e uma decadência tirânica que se expressa num governo semelhante ao Regime Militar está – para além dos projetos societários que ambos advogam – na superioridade moral do primeiro sobre o segundo. Esta moralidade, esta ética, que deve ser cara aos revolucionários, traça um abismo de diferença entre nós e eles, entre a contrarrevolução e a revolução, entre o novo mundo e o velho.
A guerra é árdua e longa, sediam lutas duras e encarniçadas entre o futuro e o passado, mas neste campo de batalha que é a História da Humanidade, nosso exército e o deles não se diferenciam apenas por estarem em lados opostos, se diferenciam também pela totalidade dos métodos, pelos princípios, pela ética e pela moralidade.
As tacanhas equiparações feitas por liberais – de direita ou de “esquerda” – que tentam colocar no mesmo saco concepções políticas diametralmente opostas, como os que tentam aproximar comunismo e fascismo, tais como os que desejam aproximar as “ditaduras socialistas” das “ditaduras militares”, bem como as concepções arendtianas de “totalitarismo” (que abarcariam comunistas ortodoxos e o extremismo de direita numa só redoma), são comparações torpes que, quando não desonestas, baseiam-se no que há de mais superficial e raso das análises políticas.
A estes, interessa mais a inação, a suposta “isenção” perante os “extremos” que são “irremediavelmente iguais”.
Pois bem, a quem interessa achar que “somos iguais”? A quem interessa achar que todo socialismo é tão tirânico quanto qualquer país fascista? A quem interessa a crença de que Josef Stálin e Adolf Hitler, ao invés de inimigos mortais, são “irmãos gêmeos”? A quem interessa todas essas elucubrações depreciativas sobre os necessários mecanismos de repressão caros a qualquer revolução? A quem interessa, senão aos defensores obstinados da hegemonia liberal, amedrontados com a decadência da ordem vigente, amedrontados com a crise não só econômica, mas também com a crise das falidas instituições políticas democrático-liberais?
Se antepondo ao fato de que fariam uma ferrenha oposição contra a Ditadura Revolucionária e que, por isto mesmo seriam possíveis alvos dos tribunais revolucionários da nova sociedade, estes reacionários desprestigiam de antemão o socialismo acusando a nova sociedade e o Estado revolucionário de tudo aquilo que a velha ordem pratica quando percebe o risco de sua superação, sua queda ou sua decadência. Assim, os mesmos liberais que tentam esconder ou amenizar os crimes cotidianos e regulares do decadente Estado burguês (a tortura, a infâmia, os assassinatos), atribuem aos revolucionários e ao Estado socialista o que a ordem social defendida por eles põe em prática de forma sistemática e dissimulada.
Por estas e outras questões as discussões sobre o conceito de Tirania e Ditadura são importantes, tanto para não apregoarmos categorizações de “tirania” a qualquer coisa que não gostemos (em qualquer espectro político), quanto para que o conceito de Ditadura seja apreendido de uma forma mais adequada, sem as depreciações emocionadas de quem romantiza e alegoriza a bandeira marxista da Ditadura do Proletariado.
As Tiranias Reacionárias, arautos das classes caducas em decadência, devem perecer.
As Ditaduras Revolucionárias, instrumento das massas populares em ascendência, devem alvorecer.
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