Desmascarando William S. Lind e o “Marxismo Cultural”
- Camarada C.
- 8 de set. de 2018
- 15 min de leitura

O que é o “Marxismo Cultural?
Qualquer pessoa que se aventure em discussões políticas [ou faça buscas no google], em algum momento, irá se deparar com a expressão “marxismo cultural”. Esta é um lugar comum em grupos de extrema-direita, neonazis e alguns grupos de fanáticos religiosos, mas nos últimos anos tem se tornado bastante popular em diversas facções de direita. Até pouco tempo, o termo era considerado apenas algo non sense, sem pé nem cabeça, associado a direitistas “esquisitóides” [potenciais psicopatas assassinos em série] assim como as expressões “feminazi”, “agenda gay”, “politicamente correto”, etc.
Isso começou a mudar em 22 de Julho de 2011. Nesta data fatídica, na Noruega, um terrorista neonazi, Anders Breivik, realizou um ataque que ceifou a vida de 70 pessoas. Breivik já era um conhecido membro de grupos de extrema-direita europeus e o termo “marxismo cultural” era bastante utilizado em seus textos políticos.
Agora, mais do que nunca, é essencial que as pessoas entendam o termo “marxismo cultural” e o modo como ele é instrumentalizado pela direta com o propósito de aterrorizar e mobilizar suas bases para o ataque. Em resumo, compreender o termo “marxismo cultural” para entender como a direita pensa, desinforma e atua.
Antes de mais nada, é importante destacar que “marxismo cultural” é uma expressão sem o menor sentido. Na próxima vez em que você estiver no meio de uma discussão e seu colega invocar esta expressão, peça para que defina exatamente o que isto significa.
A maioria não faz a menor ideia. E os que respondem algo, falam de algo que não tem nenhuma ligação com o marxismo. Eles são tão convencidos de que o “marxismo cultural” está destruindo a sociedade, a ponto de se tornarem completamente paranoicos, mas gaguejam e hesitam quando instado a fornecer uma definição coerente.
Como pode alguém ser tão obcecado com algo que é incapaz de explicar? Por que a direita insiste em encher o saco com esse mimimi que não faz o menor sentido? A resposta para essas perguntas remonta à Guerra Fria [com suas toneladas de lixo propagandístico anticomunista]. Vamos então examinar como a expressão “marxismo cultural” tem sido utilizada.
A história das difamações dos direitistas
Durante a Guerra Fria os oponentes eram marcados com rótulos pejorativos como “vermelhos” e “comunas”. Liberais eram taxados de “rosas” [pinkos], já que rosa seria visto como uma tonalidade do vermelho, o objetivo era passar a ideia de que os liberais seriam apenas uma versão aguada dos comunistas. Outra expressão que remonta a esse período e ainda é utilizada é “idiotas úteis”, primeiramente endereçada a liberais e esquerdistas que não se consideravam marxistas. A expressão é falsamente atribuída a Lenin, que teria afirmado que estes, de modo alienado, faziam o trabalho dos Bolcheviques.
Obviamente a falsa citação nunca foi proferida por Lenin. De qualquer modo uma coisa era clara na Guerra Fria: se você desejava matar a reputação de um oponente, bastava chamá-lo de comunista. Isto não se limitava a pessoas de esquerda. A John Birch Society ficou conhecida por acusar tanto membros do Republican Party quanto do Democrat Party de serem agentes ativos do comunismo internacional, insinuando que eles deliberadamente entregaram a China nas mãos de Mao e Cuba para Fidel Castro, além de propositalmente perder as guerras da Coreia e do Vietnã. O comunismo significava a maldade, a corrupção a encarnação do mal.
O uso do termo comunista como algo pejorativo continuaria até a década de 1990, embora tenha ressurgido com os fanáticos histéricos do Tea Party e midiotas histriônicos como Glenn Beck – contudo ideólogos direitistas menos prejudicados intelectualmente reconhecem tal conduta é anacrônica e não tem mais a mesma força. A tarefa mais psicodélica seja conciliar o fato dos EUA terem mergulhado de cabeça na economia neoliberal, com uma enxurrada de privatizações [e desregulamentações econômicas] com a alegação que este mesmo país encontra-se dominado pelo socialismo marxista. Como seria possível os EUA seguindo em direção a uma revolução socialista e ao mesmo tempo promovendo políticas como NAFTA e GATT, desregulamentações e cortes em programas de bem-estar social? O termo marxista ainda carregava uma conotação negativa até os idos de 1990, principalmente devido ao triunfalismo expressado tanto por liberais quanto conservadores. Porém já ficou claro que, uma vez que os liberais idealistas já abandonaram completamente o campo da esquerda, políticas de classe e a classe trabalhadora à própria sorte (abraçando o neoliberalismo do mesmo jeito que os conservadores), acusá-los de serem comunistas depõe contra a credibilidade de quem o faz.
A base “teórica” da infame expressão
“Marxismo cultural”, até onde se sabe, é uma expressão nonsense originária da década de 1990, coincidindo com o início da denominada “guerra cultural”. A expressão se baseia fortemente nos escritos do “policial cultural” Pat Buchanan, mas também nos de William S. Lind. De fato foi Lind, um dos “policiais culturais” menos conhecidos quem definiu o termo “marxismo cultural” e se dedicou a escrever a farsa da sua história. Lind escreve uma cartilha anticomunista sobre o “marxismo cultural” em seu artigo “O que é o marxismo cultural?”. Em suas palavras:
“Marxismo cultural é um ramo do marxismo ocidental que difere do marxismo-leninismo da velha União Soviética. Ele é popularmente conhecido como ‘multiculturalismo’ ou, menos formalmente, o ‘politicamente correto’. Desde seu surgimento, os propagadores do marxismo cultural sabiam que eles poderiam ser mais eficazes se ocultassem a natureza marxista de suas obras, por isso o uso de termos como ‘multiculturalismo’.”
O primeiro problema desta definição é que se estes marxistas compreendiam que eles precisavam ocultar sua natureza marxista, por que eles usam o termo marxista? Ao analisar aqueles acusados por Lind, podemos constatar que eles se identificam como marxistas (mais ou menos ortodoxos) ou ao menos admitem a influência marxista em suas obras, o que refuta definitivamente a ideia de que eles estivessem escondendo algo. Não há qualquer evidência que leve a crer que alguém pretenda esconder suas ideias marxista sob disfarce de “multiculturalismo”.
É interessante notar que pessoas como Lind e Buchanan, defensores histéricos de uma suposta “cultura ocidental”, são na verdade “multiculturalistas”. Eles acreditam que existe algum tipo de entidade monolítica que possa ser chamada de “cultura ocidental”. Embora a maior parte da cultura europeia seja fortemente influenciada pelas culturas grega e romana clássicas, também possui influência de fontes não europeias. As nações do extremo oriente, por sua vez, possuem grande influência da cultura chinesa, todavia apenas um completo ignorante poderia sugerir que exista uma “cultura ocidental” monolítica. Contudo, mostrar que a tal “cultura ocidental” é multicultural é o suficiente para ser acusado de “marxismo cultural”, o que demonstra o quão útil este termo tem sido nas mãos dos direitistas histéricos. Por mais problemático que possa parecer, se mostra extremamente prática a utilização de conotações negativas associadas a marxistas, “vermelhos” e “comunas”, sem se preocupar que o alvo possa ser um liberal capitalista. Sua visão econômica pode ser neoliberal, mas ele é um marxista cultural!!!
Vamos continuar com a teoria furada de Lind sobre o “marxismo cultural” e observar como ela não tarda em mostrar sua face antissemita:
“O Marxismo cultural não começou na década de 1960, mas em 1919; logo após a 1ª Guerra Mundial. A teoria marxista havia previsto que em um evento como uma grande guerra europeia a classe trabalhadora da Europa se levantaria contra o capitalismo e criaria o comunismo. Mas quando a guerra veio em 1914, isso não aconteceu. Quando finalmente aconteceu na Rússia, em 1917, os trabalhadores de outros países europeus não a apoiaram. O que deu errado?”
Repare que Lind não fornece a referência para explicar em que momento a teoria marxista fez tal previsão. O que aconteceu, de fato, um pouco antes da eclosão da 1ª Guerra Mundial foi uma divisão, no final da 2ª Internacional, no interior do que era conhecido como movimento social-democrático. Alguns social-democratas se posicionaram a favor da iminente guerra imperialista, enquanto outros – com destaque para Lenin – foram radicalmente contrários à guerra e a favor da paz. Esta divisão foi altamente nociva para o movimento em um momento crucial. A segunda afirmação de Lind é uma meia-verdade. A revolução russa de 1917 foi seguida por revoluções na Hungria e Alemanha, ambas esmagadas com o uso da força militar. Na húngara, tropas invasoras Romenas, por meio do terror, acabaram com a República Soviética da Hungria. Embora a revolução não tenha se concretizado em muitos países, as atividades de comunistas europeus foram fundamentais para o fracasso da campanha de invasão e fomento ao terrorismo na Guerra Civil Russa. Nos EUA, trabalhadores entraram em greve e se recusaram a carregar os navios com armamentos que seriam enviados aos terroristas do “Exército Branco Russo”. As revoluções comunistas podem ter sido sufocadas na Europa Oriental com um uso do terror, todavia mesmo os vitoriosos da Entente não conseguiram “matar o bebê Bolchevique no seu berço”.
A mirabolante teoria da conspiração de Lind continua:
“De modo independente, dois teóricos marxistas, Antonio Gramsci na Itália e Georg Lukacs na Hungria, chegaram à mesma resposta: A ‘Cultura Ocidental’ e o cristianismo cegam a classe trabalhadora de tal forma que o interesse dessa classe pelo comunismo marxista seria impossível no Ocidente até que ambos fossem destruídos. Em 1919, Lukacs se perguntou: ‘Quem nos salvará da civilização ocidental?’.”
Aqui Lind “dá o nome aos bois”. É curioso notar que Nem Gramsci ou Lukacs fizeram qualquer tentativa de esconder as bases marxistas de suas teorias e trabalhos - ambos se declaravam abertamente como marxistas. Se eles estavam “tentando esconder a natureza marxista de suas obras” ,como Lind alega na sua fantasia paranoica na qual eles seriam “marxistas culturais” (criaturas malévolas e maquiavélicas), eles tinha um jeito muito estranho de fazer isso. Da mesma forma, não há nada que possa sugerir que eles tenham pretendido “esconder seu marxismo” sob o disfarce de “multiculturalismo”.
Sinta-se à vontade para buscar nos trabalhos de Lukacs termos como “multicultural” ou “multiculturalismo”; até hoje ninguém encontrou. Superado isto, podemos observar que Lind fez uma afirmação a respeito de uma fictícia resposta de Gramsci e Lukacs sobre o porque de os Europeus não russos não terem derrubado seus governos capitalistas. A alegação [fantasiosa] demanda uma pergunta: se o cristianismo cegou os trabalhadores da Europa Ocidental ao ponto destes perderem sua consciência de classe, por que movimentos de trabalhadores com consciência de classe eram os mais ativos na Europa Ocidental próximo ao final do século XIX? Afinal de contas, a primeira revolução dos trabalhadores foi a Comuna de Paris, não a Revolução de Outubro. Lind teria se esquecido que o cristianismo era muito mais forte e entranhado no Império Russo, que não era um Império Secular e onde o Csar era visto como representante de Deus na Terra?
Uma citação falsificada e descontextualizada de Lukacs é apresentada de modo malicioso [pelo anticomunista paranoico]. Parece que Lukacs estaria lamentando o fato dos cristãos e sua “cultura ocidental” serem insensíveis à consciência marxista de classe. Segue a verdadeira citação, dentro de seu contexto:
“Quando eu tentei, em um dado momento, colocar a minha atitude emocional em termos racionais, cheguei mais ou menos a seguinte formulação: as Potências Centrais, provavelmente derrotarão a Rússia; isso pode levar à queda do czarismo; Eu não tinha objeção a isso. Havia também alguma probabilidade de que o Ocidente derrotaria a Alemanha; se isso levaria à queda dos Hohenzollern e os Habsburgos, eu estava mais uma vez a favor. Mas então surgiu a questão: quem nos salvaria da civilização ocidental? (A perspectiva de vitória final da Alemanha naquele momento era, para mim, um pesadelo).” - Prefácio de A Teoria do Romance.
Muitas questões se tornam imediatamente óbvias quando colocamos a citação em seu real contexto. Fica claro que [a citação] não tem nenhuma relação com consciência de classe na Europa Ocidental ou o fracasso se outras revoluções após 1917. Lukacs também deixa clara a distinção entre o extremamente cristão Império Russo, os impérios Germânico e Austro-Húngaro, e o “Ocidente”, com a referência aos poderes da Entente. A título de curiosidade, alguns outros “policiais culturais” do período entre guerras também acusariam o Ocidente (no caso, EUA, Reino Unido e França) de ser composto por sociedade multiculturais degeneradas. Por último, e mais importante, a citação data de 1914, e não 1919, quando o fracasso de outras revoluções poderia ter passado por sua cabeça.
O próximo trecho na acusação de Lind contra Lukacs é revelador:
“Neste mesmo ano [1919, que na verdade foi 4 anos após a citação porcamente referenciada anteriormente], quando ele se tornou Ministro da Cultura no curto governo Bolchevique de Bela Kun na Hungria, um dos primeiros atos de Lukacs foi introduzir educação sexual nas escolas públicas húngaras. Ele sabia que se pudesse destruir a moral sexual da tradição Ocidental, ele daria um passo gigantesco em direção à destruição da cultura Ocidental.”
Isto foi um feito bastante impressionante, dado que a República Soviética Húngara durou apenas de 23 de Março a 6 de Agosto de 1919. [Desconsiderando o completo absurdo do pensamento obscurantista e doentio dos anticomunistas a respeito da disciplina de educação sexual] Seria tempo suficiente para destruir a moralidade sexual no histórico coração da da cultura europeia que é a Hungria? Bem, devemos considerar também que Lukacs foi comissário e serviu na 5ª Divisão do Exército Vermelho Húngaro. Faça as contas.
Ainda sobre as alegadas tradições da moral sexual “Ocidental”, aqui vão alguns fatos. Um tipo de mini-revolução sexual na década de 1920, algo que os policiais culturais certamente se apressariam em condenar. O que eles não percebem [ou fingem não perceber] é que antes desta “revolução”, a prostituição era muito mais disseminada, e era comum que homens jovens geralmente tivessem a primeira relação sexual com uma prostituta. Então, enquanto eles cortejavam como gentlemen suas “donzelas virginais”, se “preparavam” para sua noite de núpcias com intensa ajuda de prostitutas [escravas sexuais pagas]. Considerando que William S. Lind é um “expert militar” (embora nunca tenha servido em nenhuma força armada), alguém poderia esperar que ele tivesse conhecimento a respeito da alta prevalência de prostituição nas forças armadas.
Os conquistadores espanhóis costumavam usar jovens nativas como escravas sexuais na época de Colombo, e a perspectiva de possuir uma escrava sexual pré-púbere era um dos maiores fatores motivacionais para os espanhóis atravessarem o atlântico. O estupro de escravas era uma prática comum antes da guerra civil de secessão. Mesmo os Cruzados templários que tanto inspiram pessoas de extrema-direita como Breivik eram reconhecidos por viajar na companhia de muitas prostitutas. Todos estes fatos são largamente documentados, mas pessoas como Lind não se incomodam por tais questões. Afinal de contas, eles podem simplesmente acusá-los de “marxistas culturais”. Este é um termo extremamente útil!
Antes de continuarmos com os escritos idiotas de Lind, tenha cuidado. Estamos nos embrenhando em território antissemita:
“Em 1923, inspirados por Lukacs, um grupo de marxistas alemães estabeleceu um Think Tank na Universidade de Frankfurt, na Alemanha, chamado Instituto de Pesquisa Social. Este instituto, logo conhecido como Escola de Frankfurt, se tornaria o criador do marxismo cultural.”
Note que os fundadores da Escola de Frankfurt nunca chamaram suas teorias de “marxismo cultural”.
“Para traduzir o Marxismo de termos econômicos para culturais, os membros da Escola de Frankfurt – Max Horkheimer, Theodor Adorno, Wilhelm Reich, Eric Fromm e Herbert Marcuse, para citar os mais importantes – precisaram contradizer Marx em vários pontos. Eles argumentaram que a cultura não era apenas parte do Marx chamou de ‘superestrutura’ da sociedade, mas uma variável independente e muito importante. Eles também afirmavam que a classe trabalhadora não lideraria uma revolução marxista, porque estava se tornando parte da classe média, a odiada burguesia.”
Sim, todos os nomes mencionados pertencem a descendentes de judeus, alguns assimilados, alguns nem tanto. O leitor não ficou preocupado? De qualquer forma, deixe-nos fazer uma observação bastante importante sobre a Escola de Frankfurt. Eles não apenas contradisseram Marx em poucos pontos triviais como cultura e superestrutura (o conjunto de leis e ideias que surgem de um modo particular de produção, como o capitalismo). Afirmar que a classe trabalhadora não lideraria a revolução socialista é uma rejeição muito grave do marxismo. Claro que os defensores da ideia de “marxismo cultural” não estão nem aí com o que o marxismo tem a dizer. Devemos destacar aqui que o próprio Marx tinha conhecimento que sob o capitalismo pode haver a elevação dos salários reais, o que pode dificultar a tomada de consciência de classe do proletariado. Por isso ele escreveu que os salários mínimos necessários para manter o trabalhador, ou seja, para permitir que ele consiga voltar a trabalhar no dia seguinte, varia dependendo do padrão de vida de um determinado país. Também é importante notar que quando o capitalismo se tornou dominante no século XIX, a burguesia deixou de ser a classe média.
“Quem iria (liderar a revolução marxista)? Na década de 1950 Marcuse respondeu a esta questão: uma coalizão de negros, estudantes, mulheres feministas e homossexuais.”
Sejamos honestos, é ótimo que Lind nos tenha agraciado com uma lista das pessoas que ele mais odeia. O que ele não fornece é uma fonte sequer pra sustentar sua alegação. A teoria marxista segundo a qual a classe trabalhadora lideraria a revolução [socialista] é verdadeira para qualquer país capitalista; Lind achava que Marcuse se referia apenas aos EUA? Marcuse era claramente influenciado pelas ideias de Marx, mas suas próprias ideias se diferiam tanto do marxismo que não poderiam ser consideradas marxistas. Então eis que surge a pergunta: “Se o marxismo cultural possui contradições tão profundas com o marxismo, faz sentido que carregue a palavra “marxismo”? É claro que a resposta é um retumbante sim, pois outro nome não carregaria o mesmo estigma entre os conservadores que o termo marxismo.
“Fatalmente para os EUA, quando Hitler chegou ao poder na Alemanha, em 1933, a Escola de Frankfurt emigrou – e se reestabeleceu na cidade de New York. Lá ela mudou seu foco de destruir a cultura ocidental tradicional na Alemanha para destruí-la nos Estados Unidos.”
Leia esta sentença com bastante atenção. A chegada de Hitler ao poder livrou seu país dos “malignos professores judeus”, fazendo com que eles emigrassem para os EUA. Talvez Lind, assim como muitos de seus cupinchas lunáticos, preferiria que eles tivessem permanecido na Alemanha. De qualquer maneira ele alega que eles estavam obstinados a destruir a Alemanha, algo que Hitler concordaria, e que eles apenas mudaram o foco para os Estados Unidos. Aparentemente Lind acredita que tanto Alemanha quanto os EUA compartilham da tal “Cultura Ocidental”; note que ele é “multiculturalista”!
“Com esta finalidade eles inventaram a ‘Teoria Crítica’. O que é esta teoria? Algo para criticar todas instituições tradicionais, começando pela família, brutal e incessantemente, até destruí-las. Eles escreveram uma série de ‘estudos críticos’, segundo os quais quem acredita na ‘cultura ocidental’ é burro, racista, sexista, fascista - - e também doente mental.”
A resposta mais importante a ser dada a essa passagem é que nenhum exemplo é oferecido para substanciar estas alegações. Se é verdade que a teoria crítica criticou instituições como a família, mais uma vez, Marx e Engel também o fizeram. Por que Lind não ataca a obra de Engels chamada “A Origem da Família, da propriedade privada e do Estado? Talvez porque ele nunca tenha lido ou nunca tenha ouvido falar? Lind também se refere, mais uma vez, à “cultura ocidental tradicional”, ainda que as estruturas das famílias tenha variado bastante ao longo da história das diferentes sociedades europeias. Como Stephanie Coontz aponta no seu livro “The Way We Never Were: American Families and the Nostalgia Trap”, a maioria dos americanos não entendem a família tradicional como ela realmente era, em vez disso pegam emprestado fragmentos de diferentes eras históricas. Então, vejam só, ela provavelmente também é uma marxista cultural!
“Mais importante ainda é que a Escola de Frankfurt misturou Marx com Freud, pegando da psicologia a técnica do condicionamento psicológico. Hoje, quando marxistas culturais querem fazer algo como ‘normalizar’ a homossexualidade, eles não argumentam filosoficamente. Eles apenas repetem incessantemente, em sucessivos programas de televisão, mostrando em cada lar americano que o único tipo de homem branco normal é o homossexual (pessoas chave da Escola de Frankfurt dedicaram suas vidas em Hollywood).”
Que a Escola de Frankfurt tentou mesclar as ideias de Marx com as de Freud é um fato, e os resultados desta combinação estão entre as razões que explicam porque tantos marxistas rejeitam esta Escola. A segunda parte desta passagem é bizarrice pura. Primeiro de tudo, a “normalidade” da sexualidade [ou seja, o fato de ser algo natural e não uma doença] não tem sido defendida filosoficamente, mas cientificamente por profissionais médicos [e pesquisadores]. Segundo, Lind aqui alega uma conexão direta entre intelectuais “marxistas culturais” e a indústria do entretenimento, como se ambos agissem em conjunto. Claro que a coisa mais absurda da última sentença, que sem dúvida deixa de boca aberta o leitor, é a afirmação de que inúmeros programas televisivos colocam “o único homem branco normal” como homossexual. Ora, por favor, conte o número de programas que fazem isso. Alguém poderia [acertadamente] responder que se esta prática fosse tão disseminada quanto Lind propõe, filmes como Brokeback Mountain não teriam causado tanto impacto e chamado tanta atenção. Vamos seguir para o último parágrafo de Lind:
“O novo conservadorismo deveria desmascarar o ‘multiculturalismo’ e o ‘politicamente correto’ e dizer ao povo americano o que eles realmente são: marxismo cultural. Seus objetivos continuam os mesmos de Lukacs e Gramsci em 1919: destruir a cultura ocidental e o cristianismo. Já fizeram grandes progressos em direção a este objetivo. Mas se o americano médio acreditar que a correção política é uma forma de marxismo, ainda que um pouco diferente do marxismo da União Soviética, eles [os marxistas culturais] estariam em apuros. O novo conservadorismo precisa revelar o homem atrás das cortinas - - o velho Karl Marx.”
Lind continua sem fornecer definições claras a respeito do que quer dizer com multiculturalismo e correção política, apesar de usar este último como um nome próprio, como uma verdadeira ideologia. Na verdade, a ideologia da Escola de Frankfurt diverge tanto do marxismo que se torna algo quase anti-marxista. Alguém poderia argumentar que a influência das ideias da Escola de Frankfurt na denominada “New left” na realidade atrapalha mais o marxismo e a tomada de consciência de classe do que ajuda, e, em última análise, o resultado desta influência foi privar a esquerda do trabalho de conscientização das bases fundamentado no materialismo, tornando-a fraturada e ineficaz. Neste sentido, Lind poderia agradecer à Escola de Frankfurt, e não condená-la [e demonizá-la, como faz]. Isto, todavia, é assunto para outro artigo.
Em sua conclusão, Lind confirma o que o autor deste artigo afirmou anteriormente, ou seja, que os conservadores utilizam o termo marxismo cultural porque eles desejam preservar o valor pejorativo de “marxista” e, em particular, este termo os ajuda a superar questões difíceis como o fato de líderes e indivíduos, ainda que claramente capitalistas e neoliberais, possam ser taxados de marxistas. O artigo de Lind é instrutivo, uma vez que consiste em uma das raras vezes em que vemos uma tentativa honesta de um intelectual conservador em verdadeiramente definir e explicar o “marxismo cultural”. Entretanto, em sua tentativa de “desmascará-lo”, ele apenas desmascara a si mesmo como um ignorante, fanático, mentiroso e um picareta.
Com certa frequência o rótulo “marxismo cultural” ocupará posição de destaque nos círculos conservadores, assim como nos de seus associados mais extremos, os neofascistas. Muitas vezes é uma fonte de diversão quando eles são questionados a o que a frase de fato significa. Contudo, como prova o artigo de Lind, esta expressão possui uma história e não se originou nos corredores da Escola de Frankfurt, mas nas mentes de ideólogos de direita que pretendem provocar uma resposta negativa automática com relação a conceitos como igualdade, justiça e responsabilidade social. Eles fazem isso com o uso de palavras sem sentido como “multiculturalismo”,
“politicamente correto” e marxismo cultura. Na próxima vez que você encontrar alguém bostejando sobre “marxismo cultural”, a menos que você queira se divertir pedindo-lhes uma definição e vê-los fazendo contorcionismos cômicos, basta responder com a seguinte definição:
Marxismo Cultural – Uma frase sem sentido usada como sinal de que o escritor ou orador não possui a menor ideia do que está falando.
Referências:
Coontz, Stephanie, The Way we Never Were: American Families and the Nostalgia Trap, Basic Books, 1992
Lind, William S., What is Cultural Marxism? http://www.marylandthursdaymeeting.com/Archives/SpecialWebDocuments/Cultural.Marxism.htm
Lukacs, Georg, The Theory of the Novel, 1962 http://www.marxists.org/archive/lukacs/works/theory-novel/preface.htm
http://www.splcenter.org/get-informed/intelligence-report/browse-all-issues/2002/fall/mainstreaming-hate
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