Manuel Ugarte: Socialismo e Pátria
- Camarada C.
- 19 de ago. de 2018
- 3 min de leitura
(O presente artigo foi publicado em 2 de julho de 1908 no jornal La Vanguardia, órgão do Partido Socialista da República Argentina. Tradução e revisão por Bruno Fuhr.)

“As resoluções do Congresso de Stuttgart, necessariamente vagas, uma vez que devem ser aplicadas igualmente a personagens e países muito diferentes, elas não foram capazes de apaziguar as discussões e as controvérsias levantadas pela suposta incompatibilidade entre o socialismo e a pátria.
Devemos ser antipatriotas? De minha parte, acho que não. As declarações fundamentais da Internacional Socialista estabelecem – e esse desejo está vivo em nossas consciências – a necessidade de buscar com a completa reconciliação do homens, a abolição das fronteiras e o fim das demarcações de nação ou raça. Mas ao lado do distante ideal, existe, apesar de nossos esforços, a realidade dos tempos em que vivemos e os atavismos dos grupos que não atingiram sua evolução completa e conservam no pensamento ou no sangue muitas partículas dos antepassados. Se uma cidade se sente agredida, você deve virar a cabeça?
Eu não coloco um problema de orgulho, mas uma questão de bem-estar. Como resultado do isolamento em que os homens viveram por muitos séculos, entendimentos e consciências não se desenvolveram em paralelo. Cada grupo foi liderado à sua maneira, sofrendo correntes locais e dando origem a diferenciações cerebrais e ideais. Deveríamo afogar nosso modo de ver para nos dobrar ao do vizinho?Porque se na nossa América as fronteiras marcam ou separam muito pouco, ligadas pela mesma origem e a mesma história, na Europa a mesma coisa não acontece. Existem profundas antinomias de cultura entre certos povos. E nós temos que cobrir o problema de uma maneira universal.
Amarrados como somos a um trabalho prático e tangível de renovação e ressurgimento, não podemos ignorar as realidades que nos rodeiam.
Além disso, somos homens como os outros e longe de vivermos suspensos na atmosfera, estranhos a outras pessoas ou ao tempo e espaço, para criar raízes no lugar e no tempo em que se desenvolve nossa atividade e nosso apego às coisas que nos cercam, às visões de família, à continuidade e para a localização do nosso esforço.
Em vão vamos tentar superar com os impulsos da razão não reflexiva nossa natureza. A realidade se oporá à ciência aprendida e sem deixar de conceber as ações mais elevadas nos sentiremos sujeitos aos impulsos de nosso ser. Se não concebermos a pátria – porque seria um anacronismo – sob a forma grosseira dos homens de ontem, a imaginamos como um conjunto de costumes, qualidades, defeitos que rimam com nosso organismo interno e coincidem com tendências pessoais. Existe alguma cumplicidade na educação, nas correntes internas, nos procedimentos, na linguagem, em mil coisas diferentes e as vezes indefinidas. E essa cumplicidade é o que liga os homens e os amassa em montes diversos.
Mas, então, alguém dirá, devemos respeitar o patriotismo? Vamos entender.
Eu também sou um inimigo do patriotismo brutal e egoísta que arrasta as multidões para a fronteira para subjugar outros povos e espalhar dominações injustas à sombra de uma bandeira ensanguentada. Eu também sou um inimigo do patriotismo orgulhoso que consiste em nos considerar superiores aos outros grupos, admirando seus próprios vícios e desprezando o que vem do exterior; Eu também sou um inimigo do patriotismo, ancestral, dos sobreviventes bárbaros, dos quais é igual ao instinto de tribo ou rebanho. Mas há outro patriotismo superior, mais de acordo com os Ideais modernos e com a consciência contemporânea. E esse patriotismo é o que nos faz defender contra intervenções estrangeiras, a autonomia da cidade, da província, do Estado, a disposição livre de nós mesmos, o direito de viver e nos governar da melhor forma que nos parece possível. E nesse ponto todos os socialistas têm que concordar para simpatizarem com o Transvaal quando ele se levanta sob o ataque da Inglaterra, para aprovar os árabes quando eles debatem para rejeitar a invasão da França, para admirar a Polônia quando, após a repartição, tende a reunir seus fragmentos em um grito admirável de dignidade, e para defender a América Latina se o imperialismo anglo-saxão for lançado amanhã sobre ela.
Todos os socialistas devem estar de acordo, porque se algum admitir na ordem internacional o sacrifício do pequeno ao grande justificaria na ordem social a submissão do proletariado ao capitalista, a opressão dos poderosos sobre aqueles que não podem se defender. É por isso que se pode dizer que o socialismo e a pátria não são inimigos, se entendermos pátria o direito de todos os núcleos sociais de viver seu próprio caminho e dispor de seu destino; e para o socialismo, o desejo de perceber entre os cidadãos de cada país a equidade e a harmonia que vamos implantar mais tarde entre as nações.”
Comentarios