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O exílio no purgatório chinês


A eclosão da guerra entre a China e o Japão, em 1937, mudou a vida dos intelectuais nos centros urbanos do norte do país. Os campi das três universidades de maior prestígio do país – Pequim, Qinghua e Nankai – sofreram com os bombardeios. A Universidade de Nankai, em Tianjin, que na época servia de epicentro do movimento estudantil antijaponês, acabou sendo reduzida a ruínas, seu prédios queimados pelas tropas invasoras.


Não havia outra alternativa senão fugir. Mas para onde? As tropas japonesas avançavam rapidamente pelos centros urbanos na costa leste, devorando o território chinês e destruindo qualquer tipo de oposição. Foi nesse contexto que 800 acadêmicos e estudantes das universidades de Pequim, Qinghua e Nankai foram forçados a seguir rumo a Kunming, capital da Província de Yunnan, no sudoeste do país, onde fundaram a Universidade Nacional Associada do Sudoeste (Xinan Lianhe Daxue), em 1938.


Hoje, a universidade não existe mais. Um ano após o final da Segunda Guerra Mundial, os acadêmicos regressaram a Pequim. Mas o Partido Comunista chinês (PC) fez questão de preservar o antigo portão da universidade e uma de suas salas de aulas, além de construir um memorial dedicado aos seus alunos. Na história oficial, essa universidade representou um marco na resistência estudantil à ocupação japonesa. Apesar dos constantes bombardeios japoneses e das condições inóspitas – na época, Yunnan era considerada uma das regiões mais atrasadas do país –, acadêmicos de maior renome da China se esforçaram em dar continuidade aos seus projetos intelectuais e científicos para promover o desenvolvimento do país.


Eu não discordo dessa visão. A universidade chegou a formar futuros líderes acadêmicos e cientistas de renome, incluindo Yang Zhening e Li Zhengdao, que viriam a receber os prêmios Nobel de Física. E as condições na época realmente eram deploráveis, com constante falta de energia elétrica e racionamento de alimentos, levando estudantes famintos a brigarem por comida. Não é à toa que os professores e alunos (a maioria provenientes de famílias bem abastadas antes da guerra) enxergavam a sua estadia em Kunming como uma espécie de exílio no purgatório.


Ao caminhar pelo memorial que o governo chinês ergueu para relembrar esse episódio de sua história no antigo câmpus, porém, tive a sensação de que talvez fora deixado de lado o maior legado da universidade. Embora a instituição tenha sido fundamental em manter viva a pesquisa acadêmica durante a guerra, ela também marcou uma profunda transformação na maneira como os comunistas passaram a enxergar e lidar com a diversidade, redefinindo a China como um país multiétnico.


Durante a primeira metade do século 20, aqueles que pregavam a revolução na China nunca se preocuparam muito em levar em consideração a diversidade étnica na construção de um novo Estado nacional. Zou Rong, um dos revolucionários que lutavam para derrubar a dinastia imperial manchu no início dos anos 1900, defendia uma China livre de etnias “estrangeiras”. A China, na visão dele, deveria ser apenas dos han (etnia da maioria dos chineses) e os manchus, expulsos.


Esse sentimento foi responsável pelo massacre de milhares de manchus durante a sangrenta revolução de 1911, que inaugurou a República. Nas décadas seguintes, debates sobre questões étnicas eram marcados pela superficialidade e não tiveram grande impacto nos meios políticos, pois a nata da intelectualidade se encontrava nos centros urbanos da costa leste, regiões predominantemente han.


Isso mudou com a fuga desses acadêmicos a Yunnan durante a Segunda Guerra Mundial.  Embora Yunnan fosse parte do território chinês, a Província parecia um país estrangeiro para esses intelectuais, que sofreram um enorme choque cultural e social. Com centenas de grupos étnicos espalhados por seu terreno montanhoso, a Província cultivava laços mais fortes com o Sudeste Asiático do que com o resto da China.


Os acadêmicos que chegaram a Kunming em 1938 acreditavam que sua missão, ao estabelecer a Universidade Nacional Associada do Sudoeste, seria não apenas a de resistir à invasão de seu país, como também construir os alicerces para um futuro Estado nacional chinês moderno, livre de qualquer interferência estrangeira. Nesse sentido, ao se exiliarem em Yunnan, esses alunos e intelectuais se confrontaram com um novo desafio: como incluir os miao, yi, lolo e demais grupos étnicos, muitos dos quais se encontravam na Província há séculos, mas que não necessariamente se consideravam chineses, num Estado nacional moderno? O que significava ser “chinês”? Era possível para um miao assumir a identidade chinesa?


Esse desafio não existia nos centros urbanos como Pequim, Tianjin e Xangai. Mas, ao vivenciarem a heterogeneidade nas ruas de Kunming, esses acadêmicos se deram conta que seria necessário repensar a composição étnica do país. Nos anos seguintes, Yunnan passaria a se tornar um laboratório de construção de um Estado nacional multiétnico que se consolidaria nas décadas seguintes. Nesse sentido, as discussões e pesquisas realizadas durante a Segunda Guerra Mundial por acadêmicos como Fei Xiaotong serviram de alicerces para a formulação de políticas governamentais em relação às minorias étnicas após a tomada de poder pelo PC em 1949.


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