O lobby da “concorrência” matou a Gurgel?
- Jornal A Pátria
- 9 de out. de 2019
- 3 min de leitura
Enquanto a Gurgel atuou na produção de veículos para nichos de mercado ela não era vista como ameaça e atuava de forma lucrativa. No momento que resolveu criar um veículo urbano popular as coisas mudaram.

O carrinho teve tamanha aceitação que tinha fila de espera de mais de 1 ano e era vendido com ágio de mais de 100%. Esse sucesso repentino contribuiu para sua morte. Para poder atender a demanda era necessário a construção de uma nova fábrica voltada exclusivamente para esse veículo, deixando a fábrica existente para o restante da linha.
Aprovado o financiamento pelo BNDES como de praxe em empreendimentos desse tipo no Brasil a Gurgel comprou o terreno e iniciou a construção de sua fábrica no Ceará. Então ocorreram os seguintes acontecimentos simultaneamente.
i) Lobby das montadoras conseguiu a isenção de impostos para carros de até 1.0 l ou com motor refrigerado a ar para incluir a VW. Fazendo com que as 4 montadoras tivessem veículos de sua linha para atender a demanda de carro urbano popular encontrada pela Gurgel, de forma a abastecer toda a demanda reprimida antes que a Gurgel tivesse sua fábrica pronta,
ii) pressão das montadoras sobre fornecedores de auto-peças, proibindo a venda de peças criadas para uma marca e compartilhada com a Gurgel. A Gurgel aproveitava muitas peças de outros veículos e isso nunca tinha sido problema. Com a proibição de compartilhamento de muitas peças teve que desenvolver seus próprios projetos dessas peças para poder continuar produzindo seus veículos,
iii) BNDES atrasou sistematicamente a liberação dos recursos que haviam sido aprovados para a construção da fábrica nova. A soma desses fatores levou a Gurgel a falência.
A Gurgel começou a incomodar as grandes. Primeiramente foi a Volks, quando essa perdeu mercado para Gurgel X12 no Caribe. A Volks encerrou a linha (VW181). Logo ela incomodou todas as outras quando conseguiu o IPI a 5%. Ali ela já deixava de ser uma marca nascente e começava a preocupar pelo motivo simples que era: o carro vendia bem pra uma iniciante.
Quando o governo abre a isenção para os 1.0 e corta todo e qualquer tipo de financiamento para a Gurgel inovar, começa a derrocada. Quando eles reduzem a alíquota, a Fiat espertamente pega o motor Fiasa que era do antigo FIAT 147 e do dia pra noite fazem uma gambiarra para enquadrar o motor como 1.0 e abocanharem a redução tributária.
A FIAT não era essa grande montadora que é hoje. Ela foi muito apoiada pelo regime, a relação entre Italia-Brasil era muito forte na época. Não mudou muita coisa pra 1990
A Gurgel teve seus pontos positivos que a fizeram crescer e teve suas falhas que a fizeram quebrar.
A parte principal de um projeto automobilístico é a plataforma, essa era projeto original da Gurgel e por sinal ponto forte do veículo, usando um sistema patenteado muito eficiente para produzir seus monoblocos “indestrutíveis”, o famoso “Plasteel” que unia propriedades de resistência a deformação da fibra de vidro com a resistência ao tracionamento do aço. Hoje uma versão aprimorada desse sistema é utilizado pela Porsche, Ferrari, Bugatti e outras montadoras de veículos de auto desempenho. No caso a evolução substituiu o plástico reforçado com fibra de vidro pelo plástico reforçado com fibra de carbono revestindo uma estrutura metálica.
É também criação da Gurgel o sistema “selectration”, um sistema simples porém eficiente que permitia aos jipinhos da Gurgel com tração em apenas 2 rodas conseguir superar obstáculos em condições de competir em desempenho fora de estrada com os 4×4 da época com um custo e manutenção muito melhores.
Os veículos faziam sucesso porque atendiam muito bem ao que se propunham.
Outras criações da Gurgel foram desastrosas como o TTS dos Carajás, que como conceito parecia sensacional, mas na prática era péssimo de funcionamento, mas de qualquer forma desenvolvimento da engenharia os erros também fazem parte.
O motor 2 cilindros do BR800 também envolve um projeto bastante oneroso de engenharia, assim como o sistema de suspensão criado para o mesmo veiculo. Tinham uma série de outros problemas, como acabamento, ruído, o próprio design rustico, mas que não eram prioridade para o público que se destinava.
A Gurgel foi a grande montadora de veículos especiais nos anos 70 e 80, mas sem capital e parceiros estratégicos não iria longe.
A Puma tinha maior lucratividade já que seus carros eram mais sofisticados e caros, assim como a Santa Matilde que tinha carros ainda mais caros, mais sofisticados e sinergia com a linha ferroviária.
Todos esses empresários foram heróis.
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