Para entender o que é Israel: as relações políticas promíscuas do sionismo com o fascismo europeu
- Jornal A Pátria
- 13 de fev. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 15 de fev. de 2020
Título original: Para entender o que é Israel, enquanto empreendimento colonialista e supremacista, é essencial entendermos a ideologia por trás do projeto.

O sionismo é um produto da Europa do Século XIX (19) e a sua gênese na reivindicação da “Terra de Israel”, um território abstrato na zona do Levante que compreende o território da Palestina histórica, dos Montes Golã, do sul do Líbano e Jordânia para a fundação de um “Estado Judeu”.
Apesar de tal reivindicação ser genericamente apoiada em literatura religiosa e na criação de mitos, como o “judeu espartano”, o sionismo ganha relevância em duas distintas fases: na consolidação enquanto movimento político sob a liderança intelectual do húngaro autor de "O Estado Judeu", Theodor Herzl em finais do século 19, e na sequência sob a liderança política do ucraniano Vladimir Jabotinsky, fundador do sionismo revisionista durante a década de 1920.
Logo na fase de incubação do sionismo, três problemas centrais impediam adesão considerável de judeus ao projeto:
Até então, a esmagadora parte de judeus em países como Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha se encontrava em situação de total assimilação e se consideravam cidadãos plenos daqueles países;
O território proposto, a Palestina histórica, se encontrava habitada pela população nativa e com considerável nível de desenvolvimento;
A falta de apoio de uma grande potência mundial aos ímpetos coloniais sionistas.
Com o crescimento gradual de um antigo problema europeu, o antissemitismo, as lideranças sionistas viram a oportunidade do incentivo à imigração massiva como rota de fuga resolver pelo menos dois desses problemas: imigração e apoio político.
Assim como hoje, no passado o alinhamento do sionismo político ao antissemitismo, às custas de ambos árabes e judeus, é método. É modus vivendi.
Já em "O Estado Judeut", Herzl afirmava:
“os governos de todos os países flagelados pelo antissemitismo estarão muito interessados em auxiliar-nos a obter a soberania que queremos; e assim, não ‘apenas os pobres judeus ’ contribuiriam para um fundo para a imigração de judeus europeus, ‘mas também dos cristãos que querem se livrar deles’”.
Em seu diário, no dia 11 de Junho de 1895, Herzl chega à conclusão que pelo fato de dividirem com os sionistas os mesmos prospectos políticos e ideológicos, “os antissemitas se tornarão os nossos amigos mais confiáveis, e os países antissemíticos nossos aliados".
Em 1912, Chaim Weizmann – então futuro presidente da Organização Mundial Sionista e mais tarde primeiro presidente de Israel – afirmava: “Cada país pode apenas absorver um número limitado de judeus se o mesmo não quiser doenças em seu estômago. A Alemanha já tem muitos judeus".
O encapsulamento do discurso antissemita, frequentemente marginalizando os próprios judeus imigrantes e mizrahim, desenvolvia o sionismo em uma ideologia fascista e a população árabe nativa como um empecilho que precisava ser removido à força.
Para o movimento sionista, o antissemitismo deixa de ser uma diferença em termos teóricos, para então se tornar em um elo em termos práticos.
Esse elo pode ser ilustrado em diversas ocasiões, como o apelo da Federação Sionista Alemã em 1933 para que o regime nazista apoiasse a organização em troca de esforços para combater a campanha de boicote antinazista, o contato de membros do grupo terrorista Lehi com oficias do governo nazista em 1941 em busca de apoio, o encontro de Feivel Polkes – representante do grupo terrorista Haganah - com Eichmann em 1937 ou da proposta enviada pela liderança do grupo terrorista Irgun que em troca do apoio do regime nazista ao Estado Judeu, se comprometeria a combater a guerra ao lado dos alemães - em uma altura que judeus já eram chacinados pelo regime de Hitler.
Esses três grupos (Lehi, Haganah e Irgun) que durante as décadas de 20, 30 e 40 aterrorizaram, assassinaram e expropriaram famílias palestinas enquanto arrasavam vilas inteiras, mais tarde se fundiriam no que é hoje conhecido como as “Forças de Defesa de Israel”. Já as suas lideranças, todos primeiros-ministros (Yitzhak Shamir, Yithzak Rabin e Menachem Begin).
A fase mais emblemática para a definição do sionismo, é o surgimento do movimento revisionista liderado por Vladimir Jabotinsky.
Em 1923, no que é tida como a “carta fundamental” do movimento sionista "A Muralha de Ferro (Nós e os Árabes)", Jabotinsky já escrevia que:
“Toda a população nativa no mundo resiste aos colonizadores enquanto houver a menor das esperanças em se livrar do perigo de ser colonizado. É isso que os árabes da Palestina estão fazendo, e persistirão em fazer enquanto houver uma única faísca de esperança de que eles serão capazes de prevenir a transformação da “Palestina” em “Terra de Israel”. […] A colonização sionista deverá então cessar, ou prosseguir indiferente à população nativa. O que significa que pode proceder e se desenvolver sob a proteção de um poder que é independente da população nativa – atrás de uma muralha de ferro, a qual a população nativa não pode romper.”
Jabotinsky, fundador da Haganah e do Irgun, foi também precursor do partido Likud, mentor pessoal de Menachem Begin e Benzion Netanyahu – pai de Benjamin Netanyahu – era seu secretário.
Abertamente fascista, Jabotinsky se aproximou do regime de Mussolini durante a década de 30, quando abriu uma escola do movimento revisionista em Roma de forma a fazer lóbi do projeto sionista em Roma. Em 1934, os italianos autorizaram um esquadrão do Movimento Betar – liderado por Jabotinsky – a treinar em suas instalações navais. Assim era fundada a Academia Naval Betar.
Na Palestina, Jabotinsky publicava a sua coluna «Yomen shel Fascisti» (tradução: «Diário de um Fascista») e inspirava a versão sionista dos camisas negras, a Brith HaBiryonim (tradução: Aliança dos Bandidos). O movimento revisionista crescia de forma acelerada e engolia os rivais, como o movimento trabalhista, que viam uma debandada de membros para o círculo de Jabotinsky.

Essa proeminência valeu apreço do próprio Benito Mussolini. Em 1935, disse a David Prato:
“Para o sionismo triunfar vocês precisam ter um Estado judeu, com uma bandeira judaica e uma língua judaica. A pessoa que realmente entende isso é o seu fascista, Jabotinsky.”
Os esforços sionistas, a traição britânica do povo palestino com Declaração de Balfour e a aprovação da Resolução 181 sob circunstâncias suspeitas em 1947 culminaram na Nakba, a catástrofe palestina.
Em 1947 dava-se início no que é um dos processos de limpeza étnica mais longos da história moderna. As ações de grupos terroristas israelenses deixaram mais de 400 vilas e cidades palestinas destruídas e 1 milhão de palestinos foram expulsos de suas terras, se tornando refugiados. Pelo menos 25 casos foram registrados entre 1948 e 1949 em que vilas inteiras tiveram seus habitantes chacinados, como Deir Yassin e Lydda.
A violência era sistemática, fruto de uma ideologia colonialista baseada no supremacismo étnico.
Para além da crise humanitária, o sionismo criou divisões entre judeus no mundo.
Ao fazer recurso de artifícios morais para defender a entidade que criaram, como uma noção de “lealdade” que é sui generis, os sionistas optam por alienar comunidades judaicas em nome de “um bem comum”.
Considerar o sionismo algo como intrínseco ao judaísmo, tem o mesmo efeito do que seria fundir o wahhabismo ao islamismo.
Já em 1948, na ocasião da visita de Menachem Begin aos Estados Unidos, Albert Einstein escreveu em carta ao New York Times:
“Dentre os perturbadores fenômenos políticos do nosso tempo está o aparecimento do recém-criado Estado de Israel do «Partido da Liberdade», um partido político similar em sua organização, métodos, filosofia política, e apelo social aos partidos nazista e fascista. […] Um exemplo chocante foi o seu comportamento na vila árabe de Deir Yassin. Essa vila, sem acessos as vias principais e cercada por terras judias, não havia tomado parte do conflito e inclusive recusou que partes árabes usassem a vila como sua base. Em 9 de Abril, grupos terroristas atacaram essa vila pacifica, a qual não era um objetivo militar no conflito, e assassinou a maior parte de seus habitantes – 240 homens, mulheres e crianças – e deixou alguns vivos como prisioneiros para desfilarem em Jerusalém”.
O que temos hoje é decorrência direta do desenvolvimento prático do sionismo, e a Nakba é um processo ainda em andamento.
1947, 1948, 1967, Camp David, Oslo, Negócio do Século são todos parte do mesmo contexto de expansão israelense e extermínio dos palestinos em troca da ilusão para uma solução de dois Estados.
A guetização de Gaza, a bantustanização da Cisjordânia e o apartheid dos cidadãos palestinos nos territórios de 1948, é a Muralha de Ferro de Jabotinsky.

O fato de Israel, 72 anos depois de sua fundação, ainda não ter uma constituição que garanta de forma pétrea a universalidade de direitos, ou que sequer defina suas fronteiras, deveria ser um grande sinal da falta de comprometimento com o Estado de Direito.
O gueto de Gaza, onde é imposta até a quantidade de calorias necessárias para “colocar os palestinos em uma dieta, mas não para matá-los de fome”, deverá ser considerava inabitável ainda este ano de acordo com estudo da ONU publicado em 2012 e é também o maior laboratório a céu aberto de armas para a indústria bélica israelense.
O sistema que comanda as vidas de milhões de palestinos sob código militar na Cisjordânia, e coloca mais de 60 leis contra os que ainda vivem nos territórios de 1948 – que limitam liberdades de movimento e associação, barram sua autonomia política e dificultam o acesso aos sistemas de educação e saúde – deveria ser o suficiente para uma análise de Israel por aquilo o que é: uma etnocracia em regime de apartheid.
Essa ideia que se usa de eufemismos como “transferência” para justificar limpeza étnica, que falsifica a história a ponto de negar a existência daqueles que sempre lá estiveram e linguagem racista para desumanizar a vítima é a pedra fundamental do sionismo. Por mais fábulas que nos contem sobre um sionismo liberal, receptivo e inclusivo, a verdade é que sionismo só exite um.
Nas palavras de Menachem Begin – então primeiro-ministro de Israel – sobre a proposta de Camp David em 1977 que não incluía uma delegação palestina e visava limitar a autonomia política dos mesmos:
“Não foram os americanos que propuseram essa ideia, e nem os egípcios. Fomos nós, os judeus, sionistas, discípulos de Jabotinsky que propusemos essa ideia humanitária”.
O aconchego do sionismo com o antissemitismo não é o resultado de contradições internas, é uma questão de sobrevivência. Seja procurando nutrir relações com comunidades cristãs através do messianismo que prega a aniquilação dos judeus, ou em suporte de neonazistas ucranianos em troca de apoio político.
Apelar para o lawfare na tentativa de alienar o debate ao confundir o antissionismo com antissemitismo e criminalizar a massiva campanha de boicotes, desinvestimento e sanções (BDS) liderada pela sociedade civil palestina serve apenas para o objetivo de sequestrar e manipular a opinião pública – que cada vez mais coloca Israel na condição de pária.
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