Sodré: Burguesia Nacional VS Multinacionais
- Jornal A Pátria
- 13 de out. de 2016
- 6 min de leitura
Atualizado: 29 de mai. de 2022
(Trechos de Sodré, organizado e comentado por Bruno Torres em 13 de outubro de 2016).

Pequeno fragmento do livro “Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil” (da década de 1990) do célebre marxista brasileiro Nelson Werneck Sodré. Este excerto aborda a dinâmica das contradições (e até de conflito) que há desde o regime militar até os nossos dias atuais, entre a Burguesia Nacional e as Multinacionais.
Este fragmento foi organizado por Bruno Torres e foi complementado com comentários do mesmo (em coloração cinza e em itálico). Posterior ao fragmento, há um texto-anexo do próprio Torres.
Boa leitura.
SODRÉ: Burguesia Nacional VS Multinacionais
Aqui (no Brasil), realmente, a exploração do petróleo em regime de monopólio estatal resultou de ampla campanha de opinião e representou vitória singular das forças interessadas no regime democrático.
Admitia-se que, em países de capitalização lenta e fraca, necessitados, entretanto, de investir maciçamente em empresas de função fundamental na propulsão do desenvolvimento – como aquelas ligadas ao fornecimento de energia sob qualquer de suas formas –, a única possibilidade de não depender de capitais estrangeiros para isso seria encarregar-se o Estado de tais investimentos, pelas suas possibilidades de acumulação e por ser detentor de órgãos de orientação da economia.
Até o último governo Vargas, realmente, a área estatal da economia funcionava como componente nacional dela, resistindo à componente imperialista.
A partir do golpe militar de 1964, entretanto, e mesmo a partir do período preparatório e de gestação que foi o governo Kubitschek, essa colocação começou a sofrer reparos. Começou, na verdade, a surgir a interrogação cuja resposta seria definidora: a quem o Estado serve?
B. Torres: Este questionamento sobre “a que classes o Estado brasileiro serve?” é uma dúvida pautada por Sodré a partir do regime militar, mas que permanece até tempos atuais. O próprio Sodré escreveu este texto na década de 90, tempos relativamente recentes, e o questionamento segue: Seja em 1964, seja nos anos 1990 (quando isto foi escrito) seja nos dias atuais… O Estado brasileiro serve de fato à burguesia nacional brasileira?
A burguesia brasileira, de que Vargas foi o grande intérprete e dirigente, participou intensamente da campanha em favor do estabelecimento do monopólio estatal do petróleo, como havia participado da fundação da siderurgia nacional e continuou a participar de lutas pela nacionalização da energia elétrica.
Mesmo após o golpe militar de abril de 1964, o Congresso, desfalcado de seus melhores elementos convenientemente depurados pela cassação de seus mandatos em discriminação (B. Torres: deputados nacionalistas “extremados” e comunistas), só aprovou a lei de remessa de lucros das empresas estrangeiras aqui estabelecidas pela diferença de um voto.
B. Torres: Dado a correlação de forças beneficiando o imperialismo (e utilizando-se da propaganda anticomunista), apenas parcos setores da burguesia nacional se colocaram contra o golpe em 1964.
Entretanto, logrado o golpe, logo viram que a orientação do Regime Militar não faria o Estado servir a ela (a burguesia nacional) e vendo que, pelo contrário, era um golpe opostos aos interesses da mesma, a burguesia nacional passou então a realizar oposição as políticas do regime (ora sutilmente, ora de maneira mais franca e aberta, mas em geral de forma um tanto quanto limitada)… uma oposição ao regime que se colocou lá por um golpe que, antes, ela mesmo havia apoiado!
Uma prova dessa disputa de “burgueses nacionais” contra políticos representantes de interesses estrangeiros antinacionais (no seio do parlamento, mesmo após o golpe) foi a votação pela lei da remessa de lucros, que como disse Sodré, foi tão disputado e apertado que as posições antagônicas na votação tiveram a diferença de apenas UM VOTO!
Ou seja, o golpe de 64 pode ter recebido apoio da burguesia nacional num dado momento, mas as classes que consolidaram o poder com o golpe, não foi a “burguesia nacional”. E, desde o regime militar aos dias de hoje, esta mesma burguesia não tem alçado poder nenhum, pelo contrário, só tem perdido.
Se não é, então a burguesia nacional (brasileira) que detém o poder do Estado (brasileiro) nos dias de hoje, então, que classes detém? Voltemos as constatações de Sodré.
A resistência da burguesia nacional ficava denunciada nesse pronunciamento, contra a franquia às multinacionais da exploração do trabalho brasileiro, mesmo num momento de crise, quando a burguesia havia abandonado as suas bases populares de política – que Vargas se esforçara por constituir e manter – para aderir ao regime então imposto, na esperança de que este a salvasse do comunismo, apresentado, no momento, como o fantasma a exorcizar.
B. Torres: Para Sodré a burguesia nacional se colocou ao lado da reação antinacional, não por uma suposta “fatalidade histórica” (de que a burguesia nacional mecanicamente sempre vai se colocar ao lado mais escuso da reação), mas sim pelas circunstâncias históricas, que se deram pela correlação de forças favorável (naquele momento) ao imperialismo, e pelo amplo uso do espantalho anticomunista por estas mesmas forças imperialistas e pró-imperialistas.
A partir de 1964, e particularmente a partir de 1968, quando a ditadura se aprofundou, eliminando qualquer resquício de franquias democráticas, o Estado brasileiro e a economia estatal, entretanto, trabalham para as multinacionais (…).
A área Estatal da economia passou a subsidiar a área Multinacional da economia.
Nelson Werneck Sodré (Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil, 1990).
ANEXO (Bruno Torres): O dilema atual da Burguesia Nacional brasileira
Eis aí uma característica central do modelo de capitalismo brasileiro, consolidada no século passado com o golpe militar, e que continua se desenvolver hoje, como vimos agora com as constatações de Sodré.
O Estado brasileiro ampara economicamente apenas as multinacionais, e quando não as multinacionais, ele beneficia apenas empresas ditas “brasileiras” que na verdade possuem ampla participação do capital estrangeiro. Tais empresas “brasileiras” agem, via de regra, em prol de tais interesses não nacionais (além dos seus próprios). Atuando no Brasil ou mesmo em outros países, elas auferem renda em moeda brasileira, em parte, mas também grande parte em dólar, sobretudo para que os seus lucros sejam divididos por investidores de origem nacional diversa. A propósito, são essas empresas “brasileiras” que atuam nos nossos vizinhos latino-americanos (de maneira que alguns teóricos erroneamente chamam de “sub-imperialiso”), e são geralmente amparadas pelo BNDES.
Mas, recapitulando ao passado: com o golpe de 1964, a Burguesia Nacional perde seus representantes políticos mais radicais e comprometidos com a Nação brasileira (pois são cassados), e os burgueses nacionais que apoiaram o golpe, começam a fazer relativa oposição as políticas do regime, mas tendo seu espaço paulatinamente reduzido.
Este espaço é reduzido tanto economicamente - pelas medidas do regime em prol das multinacionais (que são levados como duros golpes à burguesia nacional) -, quanto politicamente pela natureza repressora e dissuasiva do regime militar contra, até mesmo, as mais sutis oposições.
Outro fato que influencia indiretamente a diminuição de sua força política é a própria diminuição de sua força econômica (uma vez que a política é reflexo desta última).
A Burguesia Nacional, de maneira estúpida, apoiou um golpe que “trucidou suas próprias pernas” e que, depois de décadas após a decisão mais equivocada de sua história, só conseguiu ter algum maior fôlego econômico e algum fôlego político – mas ainda parco e insatisfatório – com o governo (de conciliação com o imperialismo) do PT.
Recapitulando os governos de Lula e Dilma, podemos entender melhor isso: tivemos alguns nacionalistas moderados que passaram pelo Itamaraty, além de políticos que representam esse campo ‘burguês nacional‘ que tinham relações razoáveis com o PT (deles, Ciro Gomes e Requião são nomes a serem destacados), e é o máximo que esta fração da burguesia brasileira (a Burguesia Nacional) conseguiu chegar até agora de representação política nos tempos recentes.
Hoje, a Burguesia Nacional brasileira paga pelos erros que cometeu no passado, estando economicamente fraca, se limitando, na maioria dos casos, a empresas e fábricas de médio porte. Esta mesma burguesia (que agora podemos chamar de maneira mais adequada de “média burguesia”), junto do pequeno-burguês e da classe trabalhadora brasileira, são as maiores vítimas da nossa asfixiante carga tributária e da atual política orçamentária brasileira.
No campo da economia, o “regime democrático” foi uma continuidade do modelo econômico do regime militar: Dívida Pública em benefício dos banqueiros e rentistas, BNDES em benefício da das Multinacionais e, depois, as grandes Privatizações (ao capital estrangeiro, claro). Uma política econômica que em nada contempla a média burguesia (nacional), onde, ao contrário, ela tem seus rendimentos espoliados. Este é o modelo geral que começa a ser consolidado em 1964 e até hoje em 2016 não foi rompido.
É o modelo, não da Burguesia Nacional, mas sim das Multinacionais Estrangeiras e Transnacionais “brasileiras” de capital associado.
É o projeto de país, não dos interesses da Nação, mas dos interesses Antinacionais.
A Burguesia Nacional brasileira que outrora teve grande peso na política brasileira, como na campanha nacionalista do “Petróleo é Nosso!” ou na formação da ‘Siderúrgica Nacional’, se enfraqueceu economicamente (e, portanto, também politicamente) e não pode levar à frente os interesses da Nação por suas próprias pernas (pelo menos não até as suas últimas consequências que essa luta provavelmente levaria).
Ora, uma vez que nossa Burguesia Nacional não é capaz de levar a cabo tal missão, só cabe a uma classe e a um segmento político, tomarem a frente da resolução dessa tarefa: o proletariado do Brasil e os comunistas brasileiros.
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