Trabalhismo e Revolução-Sobre a necessidade histórica de uma teoria revolucionária para o Socialismo
- Jornal A Pátria
- 6 de mar. de 2020
- 6 min de leitura
Artigo de Daniel Albuquerque sobre o Socialismo Brasileiro.

“Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma. A Eletrobras foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre, não querem que o povo seja independente.” — Getúlio Vargas, Carta-Testamento.
A atual situação da República Federativa do Brasil é tenebrosa e incerta. Após um longo período de 21 anos de Ditadura-Militar, que cumpriu a função-lógica de disciplinar e reprimir a classe trabalhadora brasileira sob o consenso do acordo submisso de nossa classe dominante interna com as potências do ocidente geopolítico e corporações internacionais, num contexto de “Guerra-Fria” entre os dois polos econômico-sociais do globo, o presente parece seguir rumo similar, ainda que, em diferente contexto.
Se em 1964 a intenção do movimento golpista de militares, empresários e senhores de terra, era abortar o nascimento do Brasil Social-Trabalhista das reformas de base de João Goulart, para manutenção do poder interno de nossa classe dominante, e da correlação regional de poder militar/econômico das potências internacionais no tabuleiro geopolítico, em tempo presente, a crise de 2008, que tornou a gula das potências internacionais e das corporações ainda maior, e os levantes de “Junho de 2013”, que demonstraram a chance real da ruptura da Democracia-Burguesa de fachada brasileira, em um contexto de guerra econômica entre China e Estados Unidos, foram motivo o bastante para que novamente o povo brasileiro, que lentamente vai percebendo isso, fosse colocado sob a tutela das Forças Armadas, acopladas a um projeto internacional submisso aos interesses estratégicos dos EUA.

Diante de tal contexto, a implementação do Projeto Nacional de Desenvolvimento do Partido Democrático Trabalhista, por mais louvável e avançado que este seja perante outras propostas da centro-esquerda reformista brasileira, parece um sonho cada vez mais distante para todos os militantes socialistas que defendem a tradição do Trabalhismo Brasileiro.
Isso se dá, não pela inabilidade das lideranças trabalhistas, tampouco pela qualidade do projeto político, visto que o PDT pode se gabar de ser o único partido político brasileiro com um Projeto Nacional de Desenvolvimento que contemple um plano de metas e transformações de longo prazo, mas sim pelas extremas dificuldades, peculiares à atual condição política do Brasil pós golpe de 2016, que enfrenta todo o espectro político da esquerda partidária.
Se eleições em uma "Democracia Burguesa” já são, em geral, vencidas pelo dinheiro e consistem em um misto de grande cassino e teatro, como podemos ter fé em uma vitória eleitoral em um cenário de extensa judicialização da política, demonstrados pela atuação focalizada da Lava-Jato em destruir a esquerda partidária brasileira, beneficiar os candidatos, a narrativa e a visão de mundo, de líderes políticos militaristas? Sobretudo quando as Forças Armadas já demonstram um elevado grau de tutela sobre a sociedade e quando já começam a se delinear elementos funestos, que apontam para o endurecimento do regime, como a adesão de praças da PM à ideologias de extrema direita, notadamente o “Olavismo”, e execução de violentos motins em nome de seus ideais e projeto politico-economico.

Seria ingênuo não nos perguntarmos:
A via eleitoral, reformista, dentro da democracia-burguesa, aparelhada por nossos inimigos de classe, é uma opção realmente possível?
Tal pergunta deveria ser feita por todo militante associado a esquerda, mas sobretudo pelos Trabalhistas, que já tem um Projeto Nacional de Desenvolvimento , e por mais que lhe faltem importantes retoques, este só necessitaria ser posto em prática.
“A democracia que eles querem é a “democracia” para liquidar com a Petrobrás, é a “democracia” dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a “democracia” que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício.” João Goulart, no comício da Central do Brasil.
Se a resposta mais plausível for uma negativa, isso significa que é imperativa a necessidade de avançar na construção de uma Teoria Revolucionária, que contemple todo o pensamento e o acúmulo das lutas da classe trabalhadora ao redor do globo através das eras, levando em consideração teóricos da revolução do quilate de Lenin, Mao Tse Tung, Ho Chi Minh, Marighella, bem como inestimáveis teóricos da guerra, como Sun Tzu, Maquiavel e Clausewitz, compreendendo seus ensinamentos, e analisando o contexto e a realidade do Brasil no século XXI, de forma a elaborar uma Teoria Revolucionária que sirva aos propósitos do Trabalhismo, o Socialismo Brasileiro.

Se os Militares já tutelam a sociedade, e se a via eleitoral reformista parece ser teatralmente obstaculada, como na antiga República Oligárquica, de forma que os que nos tutelam só permitem a vitória eleitoral daqueles que lhes agradem, qual a melhor postura a ser tomada pelo Partido Democrático Trabalhista e por seus militantes?
Em um ambiente em que a via eleitoral é sabotada, a única vitória eleitoral possível que possa ser “aceita” por nossos inimigos de classe ocorre mediante imensa pressão popular.
O caso da eleição de 2018 nos comprova isso. Tivesse Lula uma enorme base popular nas ruas, pressionando as instituições, este não teria sido impedido de concorrer nas eleições, e teria boas chances de vitória. Devido ao desgaste do social-liberalismo, e da extensa propaganda Ultra-Liberal, que culpa o Partido dos Trabalhadores, pelos pecados de toda a aliança de conciliação de classes que envolviam quase todo o sistema político brasileiro, isso, como sabemos, não aconteceu. Tal desgaste se deu, em parte, pois a Esquerda partidária abdicou do ideal revolucionário e transformador, e se sentiu demasiadamente confortável na cadeira de gestor local dos investimentos da banca.
Ciro Gomes, importante representante atual da tradição do Trabalhismo Brasileiro sabe disso, e a despeito das virulentas críticas que sofre de um eco-sistema de mídia ligado a adversários políticos na centro-esquerda, este radicaliza cada vez mais em seu discurso contra o neo-liberalismo e tem chances reais de vir com força em uma possível eleição em 2022.

Ainda assim, como podemos estar tão certos de que teremos mesmo uma eleição? E se ela ocorrer, como podemos ter tanta certeza de que a coalizão que domina o poder, o dinheiro e as armas, não sabotará os resultados, ou não impedirá uma possível posse?
Isso não significa dizer que devemos ignorar e abandonar a via eleitoral, nem deixar de trabalhar por ela, nem pela eleição de Ciro Gomes a presidência em 2022, ou por outros representantes de nosso projeto ao redor do Brasil, mas que estejamos preparados para todas as possibilidades do momento, por que este é um período histórico imprevisível.
“Nossos caminhos são pacíficos, nossos métodos democráticos, mas se nos intentam impedir, só Deus sabe nossa obstinação.” — Leonel Brizola.

Brizola nos responde como devemos nos posicionar na frase acima. A melhor postura para o Partido Democrático Trabalhista nesse momento, enquanto costura a criação de uma estratégia que possibilite pôr seu programa em prática, é uma linha tênue e ambígua entre reforma e revolução.
É importante que se diga, todo militante Trabalhista deve ter um enorme respeito pela constituição cidadã de 1988. Ela é, em grande parte, influência direta do ideário e visão de mundo dos Trabalhistas Brasileiros. Nesse sentido, observamos nossos inimigos de classe anularem, na prática, a constituição cidadã, a “PEC do Teto de Gastos”, a “operação Lava Jato” com uma série de entendimentos jurídicos duvidosos que vão contra a constituição, e outra série de emendas e entendimentos jurídicos que ferem o próprio espírito da constituição, são um ataque quase fatal contra nossa Carta Magna.

Para piorar a situação, Jair Bolsonaro e sua turba, tendo o apoio dos militares, não se acanham em ameaçar o Supremo Tribunal Federal e o Congresso.
O Presidente e seus aliados fomentam guerra- de informação, propaganda em massa e guerra-psicológica contra a população brasileira. Neste exato momento, Bolsonaro e seus aliados prosseguem com uma campanha de propaganda de mobilização contra o Congresso Federal e o Supremo, que já começou há muito tempo.
Lembremo-nos de quando logo após o impedimento da ex-Presidente Dilma, uma turba de extremistas de direita, com perfil médio de “tiozão” e “tiazona”, invadiu o congresso, subiu na mesa diretora e paralisou suas atividades.
Tal evento consistiu naquilo que no jargão militar chamamos de “teste de força”. Como podemos ter certeza de que agora se sentindo empoderados no poder, estes não consigam incitar ainda mais os infelizes lunáticos e psicóticos que os seguem, e atentar ainda mais contra a Democracia-Burguesa de fachada que representa a Nova-República, atualmente respirando com a ajuda de aparelhos?
Em um contexto em que vislumbram fracasso econômico inicial, a coalizão entre classe dominante local, militares, potências estrangeiras, corporações internacionais e seus representantes no sistema político brasileiro, pode optar pelo endurecimento do regime para assegurar nosso alinhamento a um lado específico no “grande jogo geopolítico” que acontece no momento.
O futuro é incerto, e a única certeza é que o outro lado tem pretensões golpistas. Infelizmente, em um contexto em que a constituição foi ferida de morte, e ninguém mais a respeita, ser os únicos a respeita-la, consiste em uma enorme fraqueza.
“Essa espécie de democracia (burguesa) é como uma velha árvore coberta de musgos e folhas secas. O povo pode um dia sacudi-la com o vendaval de sua cólera, para fazê-la reverdecer em nova primavera, cheia de flores e frutos.”- Getúlio Vargas, 1946, discurso em Porto Alegre para comício do PTB.

A ambiguidade entre reforma e revolução se mostra central para qualquer estratégia futura do Partido Democrático Trabalhista por um bom motivo:
Se este se demonstrar demasiadamente revolucionário, pelo seu tamanho e por sua importância, será abortado antes mesmo de elaborar no decorrer do processo, a Teoria Revolucionária de que tanto precisa e as bases para pô-la em prática, por outro lado, se este aparentar demasiadamente reformista, no nosso atual contexto, não conseguirá mobilizar forças na classe trabalhadora, e mesmo que por um milagre consiga assumir o poder dentro dos marcos dessa democracia-burguesa avariada, será alvejado e consumido, sem as bases radicais que necessita para resistir, até ser golpeado, como a experiência histórica nos mostrou em 54 e em 64.
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