É verdade que todos os economistas americanos e europeus são ortodoxos?
- Camarada C.
- 6 de set. de 2018
- 2 min de leitura
Atualizado: 11 de dez. de 2019

Muitos de vocês já devem ter escutado a seguinte afirmativa: "Só na América Latina que tem esse debate entre ortodoxos e heterodoxos. Nos Estados Unidos e na Europa, todo mundo é ortodoxo".
Quem faz a afirmativa muitas vezes quer "provar" que "there is no alternative", que o liberalismo econômico é cientificamente provado como o único caminho. Os problemas deste raciocínio são os seguintes:
1) Achar que só porque latino americano defende uma coisa essa coisa está errada é uma forma de viralatismo.
2) Ser minoria não é demérito. Muitas vezes, nas ciências, uma posição que era minoritária acaba se tornando mainstream. Mesmo que o que hoje se chama de "teorias heterodoxas" nunca se tornem mainstream, é inegável que muitos progressos ocorridos na teoria ortodoxa ocorreram a partir de insights fornecidos por heterodoxos. Por exemplo, a concorrência imperfeita hoje é bem reconhecida pelos ortodoxos, mas quem primeiro falou disso foi o heterodoxo Sraffa na década de 1920. E de acordo com os padrões modernos, qualquer pensador em economia que escreveu até 1870 pode ser considerado heterodoxo.
3) Mesmo minoria, os programas heterodoxos existem nos Estados Unidos e na Europa. Há programas pós-keynesianos nos Estados Unidos em Utah, Riverside (California), Kansas Missouri, New School University (NY), Amherst (Massachusetts) e no Levy Institute (NY). Na Europa, há programas pós-keynesianos em Cambridge (Inglaterra) e em algumas universidades italianas. Na Itália, também há os sraffianos. Na França, tem pós-keynesianismo na Paris 13, onde o Lavoie leciona. Na França ainda existe a Escola da Regulação. Na Alemanha, existem programas heterodoxos na Berlin School of Economics and Law.
4) No Brasil, os ortodoxos mais famosos aparecem muito na mídia defendendo posições à direita no espectro político, como Alexandre Schwartzman e Gustavo Franco. Aí, erroneamente, muito brasileiro pensa que ortodoxo no mundo inteiro é assim. Não é. Ortodoxo não é necessariamente de direita, não necessariamente defende o "small government". Por exemplo, o ortodoxo progressista Paul Krugman escreveu em 1998 que a maioria dos vencedores da John Bates Clarck Medal, inclusive ele, todos ortodoxos, não é apologista do "small government". Muitos deles dedicaram anos pesquisando falhas de mercado. (O link do texto do Krugman eu coloco nos comentários). Interessante destacar também que na American Economic Association, os democratas superam os republicanos na proporção 5 pra 2. Muitos famosos economistas ortodoxos não se envolvem no debate político entre esquerda e direita. Tanto que nos anos recentes, quase todos os vencedores do Prêmio de Economia em Memória de Nobel trabalharam com Microeconomia, onde não existe tanto assim o debate intervencionismo vs liberalismo.
5) Alguns dos que defendem a ortodoxia dizendo que é a maioria no meio acadêmico do Primeiro Mundo, na verdade, estão cagando para o que a maioria da academia pensa. Na verdade, esses aí defendem a ortodoxia por terem nojo da heterodoxia, por enxergá-la associada a uma orientação política igualitarista, a qual odeiam. Só usam o argumento da maioria na economia porque coincide neste caso com a maioria. Mas não enxergam o menor problema em ser contra a maioria da academia em outras ciências sociais, quando a maioria da academia não tem opiniões que lhes apetecem. Não apenas ciências sociais: alguns, em climatologia também.
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