A Natureza Contrarrevolucionária do Anarquismo
- M.Sampaio
- 20 de fev. de 2020
- 5 min de leitura

Em todo o mundo ocidental, a corrente política radical com a qual muitas pessoas inicialmente se apaixonam é o anarquismo. Isso ocorre porque, à primeira vista, o anarquismo pode parecer facilmente uma ferramenta adequada para combater estruturas de poder opressivas. Porém, esse apoio inicial é baseado em uma visão míope da dinâmica de classes e em um mal-entendido sobre o que implica a revolução.
Não julgo ninguém por ter sido atraído pelo anarquismo, porque é uma porta de entrada padrão para o radicalismo dentro da território de influência imperial. No ambiente em que crescemos, o comunismo – especialmente o comunismo que se alinha com as nações socialistas existentes – é levado a parecer inerentemente suspeito. Somos ensinados que a China, a Coreia Popular, Cuba e sua antecessora, a URSS, são inequivocamente tirânicas, e somos alertados a nos distanciar desses países se quisermos nos chamar de socialistas.
O anarquismo reflete o tipo de socialismo que a maioria dos ocidentais de esquerda inicialmente se sente à vontade em abraçar: desapegado dos estados inimigos dos EUA e altamente focado na liberdade do indivíduo.
Conversei pessoalmente com anarquistas que pensaram profundamente em sua ideologia e eles me disseram razões compreensíveis para adotar esse modelo, ao invés do Marxismo-Leninismo. Eles dizem que os anarquistas podem derrotar com sucesso o poder da burguesia se criarem comunidades fortes o suficiente e que essa rota é melhor do que tentar construir o socialismo através de um aparato estatal. Os aparatos governamentais são tão imperfeitos – imaginam os anarquistas – que devem ser totalmente evitados em favor da simples construção de instituições comunitárias não-governamentais.
No entanto, esse raciocínio decorre inevitavelmente da mesma atitude falaciosa por trás do libertarianismo e do “anarcocapitalismo”: que não se pode confiar no governo para resolver qualquer coisa e que qualquer alternativa é, portanto, melhor. A alternativa que os anarquistas oferecem não é a ditadura corporativa, mas, ao avaliar honestamente, é incapaz de dar ajuda material a bilhões de pessoas que sofrem em meio à pobreza, guerras imperialistas e degradação ambiental.
A história da luta de classes do século passado mostrou até que ponto o anarquismo pode ir realisticamente em um mundo dominado pelo imperialismo. Os enclaves anarquistas de curta duração na Espanha e na Ucrânia foram as principais tentativas anarquistas de tomar território, com o anarquismo consistindo em grande parte de coletivos de pequena escala. A ideia de que territórios dirigidos por anarquistas podem ser expandidos muito mais substancialmente do que isso carece de evidências convincentes; não apenas a história do anarquismo mostra que é ineficaz na conquista de terras, mas os ideais centrais do anarquismo estão em desacordo com o objetivo de conquistar vastas quantidades de território da burguesia.
Há uma razão pela qual nenhuma revolução anarquista foi capaz de chegar ao menos perto em escala dos estados comunistas e por que territórios dirigidos por anarquistas são mais frequentemente reconquistados: o foco do anarquismo no individualismo impede que os movimentos anarquistas tomem a via “autoritária” de substituir totalmente os regimes capitalistas.
As revoluções anarquistas sempre privam apenas parcialmente um estado capitalista de sua terra, tornando os capitalistas capazes de impedir os anarquistas de ganhar muito mais terras ou retomar os territórios anarquistas.
Isso é o que vimos mais uma vez com o enclave orientado ao anarquismo que os zapatistas formaram. Os zapatistas não estavam dispostos a expandir sua luta para o México em geral, ao invés disso, fizeram um compromisso com o estado burguês mexicano que provavelmente tornará sua comunidade igualitária incapaz de crescer significativamente nas próximas décadas.
Os zapatistas abandonaram o restante da população proletária e indígena do México, priorizando sua própria separação da sociedade mexicana em detrimento da revolução. E embora os admiradores anarquistas dos zapatistas não gostem de admitir, eles escolheram esse caminho isolado por causa de seu foco estreito em alcançar a autonomia individual.
Os anarquistas modernos podem imaginar que, à medida que a atual reação global dos trabalhadores e camponeses contra o neoliberalismo continuar, mais e mais pessoas assumirão a missão anarquista de formar comunas fortificadas, criando, eventualmente, uma ordem mundial dominada pelos socialistas sem o “negócio complicado de formar novos governos de antemão”. Mas a história mostrou que quando os socialistas tentam evitar a formação de estados e tentam superar o capitalismo e o imperialismo através de tentativas isoladas de alcançar a utopia, eles sacrificam a eficácia pela pureza ideológica.
E o ideal que os anarquistas consideram tão crucial – que é a rejeição da hierarquia – nem é um ideal que corresponde necessariamente às necessidades da luta de classes. Como Mao avaliou, um aparato estatal é crucial para defender os interesses das massas durante uma era de imperialismo e reação capitalista:
“Nosso estado é a ditadura democrática de um povo liderada pela classe trabalhadora e baseada na aliança entre trabalhadores e camponeses. Para que serve essa ditadura? Sua primeira função é interna, a saber: suprimir as classes e elementos reacionários e os exploradores que resistem à revolução socialista, suprimir aqueles que tentam destruir nossa construção socialista, ou seja, resolver as contradições entre nós e o inimigo interno. A segunda função dessa ditadura é proteger nosso país da subversão e possível agressão por inimigos externos.”
Alguns anarquistas deram um passo adiante na rejeição dessa abordagem disciplinada da revolução, suspeitando não apenas do governo, mas de qualquer organização coesa. Essas tendências do anarquismo pós-modernista dizem que as pessoas devem abandonar organizações e estruturas porque são “autoritárias”, defendendo o “desrecrutamento” desses grupos. É para isso que leva a filosofia do individualismo do anarquismo.
Mais frequentemente, e ainda mais perigosamente, o desejo do anarquismo de derrubar estruturas sociais resultou em anarquistas que apoiam as narrativas imperialistas dos EUA contra estados que os anarquistas não gostam. A guerra da OTAN de 1999 contra a social-democracia iugoslava ganhou apoio dos anarquistas porque foi vista como um golpe no “comunismo stalinista”.
Em 2014, quando os imperialistas ocidentais convenceram um dos co-presidentes do YGP de que ele se tornaria chefe de um novo estado se ele recriasse o Curdistão na Síria, muitos anarquistas aplaudiram esse projeto secreto para formar brigadas anarquistas da Otan.
No ano passado, quando o Fundo Nacional para a Democracia incitou protestos fascistas e frequentemente violentos em Hong Kong com o objetivo de recolonizar a ilha, anarquistas de todo o mundo elogiaram esses esforços da CIA de desestabilização como um golpe justo ao “autoritarismo” chinês.
Os Marxistas-Leninistas nunca lutam com a desorganização, o chauvinismo ocidental ou a ignorância de teoria revolucionária? Claro que sim. Mas, diferentemente do anarquismo, que essencialmente tira suas ideias do individualismo, o Marxismo-Leninismo baseia-se na ideia de que o povo merece dirigir seu próprio estado democrático.
Em vez de reforçar o argumento reacionário de que os seres humanos são naturalmente egoístas e não são capazes de funcionar como um coletivo, o Marxismo-Leninismo afirma que somos capazes de determinar nosso próprio destino como organismo cooperativo.
Não é surpresa que, à medida que a luta de classes se desenvolve nos países neoliberais, os partidos Marxistas-Leninistas já tenham conquistado uma posição melhor do que as organizações anarquistas dispersas. A Unidade Popular pelo Socialismo (UP), entre os partidos comunistas mais bem estabelecidos do Brasil, tem inserido seus princípios anti-imperialistas no movimento socialista do país.
Quando o potencial de inquietação brasileiro vier à tona, como aconteceu no Chile, França, Iraque e outros países neoliberais ao longo do ano passado, os anarquistas provavelmente não serão a facção que começa a guiar o movimento de protesto para derrubar o estado burguês. Como tem sido o caso em muitos dos países recentemente instáveis (especialmente Chile, França e Iraque), uma das variedades emergentes serão os comunistas.
Será nossa a decisão de até que ponto eles alcançarão seu objetivo de criar uma ditadura dos trabalhadores. Nos uniremos aos comunistas na criação de uma nova nação forte para a vasta população vítima do capitalismo e do colonialismo, ou deixaremos o anarquismo sobrecarregar o movimento com ideias liberais?
Renan Fernandes
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