Capitalismo, racismo e formação imperial
- Breno Magalhaes
- 5 de jul. de 2020
- 9 min de leitura
Atualizado: 11 de ago. de 2020
Por Breno Dias Magalhães

“Onde os holandeses colocavam os pés, surgiam a devastação e o despovoamento. Banjunwangi, província de Java, contava em 1750 com mais de 80 mil habitantes, em 1811 havia apenas 8 mil”. Assim denunciava Karl Marx o colonialismo Holandês em sua obra O Capital.
O capitalismo se construiu durantes muitos séculos através do esmagamento sistêmico dos povos da periferia do mundo, um apagamento dos povos, culturas, línguas, conhecimentos e saberes que até hoje as classes dominantes fazem questão de nos fazer esquecer.
Uma questão interessante é o fato das revoluções burguesas da Inglaterra tanto a primeira quanto a segunda promoveram uma expansão colonial gigantesca e a formação de um “ império onde o sol nunca se põe “. Fato histórico constantemente esquecido pelos monopólios de mídia e dificilmente fazemos essa associação nas escolas. Os grandes massacres coloniais britânicos foram essenciais para o desenvolvimento do capitalismo na metrópole, salvaguardando para ela matérias primas abundantes e baratas. Dessa forma, garantindo uma melhor especialização na divisão do trabalho já que suas reservas de matérias-primas já estavam garantidas. Outra revolução de caráter burguês foi a própria revolução holandesa na qual retira da Espanha o predomínio do tráfico humano de pessoas escravizadas, além disso o intensifica na busca de consolidar o seu próprio império colonial ultramarino. Para não falar do “País da Liberdade” os E.U.A construído encima de um dos maiores massacres coloniais contra o que George Washington chamava de “animais selvagens da floresta”, ou de uma guerra de libertação do governo de Londres que depois de conquistada a sua independência intensificou o processo de escravidão de mulheres, homens e crianças.
O capitalismo que nas metrópoles gosta de tomar uma face bonita e apresentável (que constantemente não encontra bases reais para tal pompa), assume definitivamente as suas vestes mais bárbaras nas colônias. O tal humanismo burguês advindo das metrópoles é uma manifestação do seu racismo colonial que foi utilizado constantemente contra os povos coloniais como lembrou muito bem Sartre no seu prefácio aos “Condenados da terra” de Fanon. Essa dominação colonial brutal criou ao redor do mundo sociedades advindas de um brutal massacre, apagamentos, uma constante negação da humanidade dos povos coloniais e suas mais diversas formas de se manifestar tornando essas sociedades com uma sociabilidade altamente mistificadora. Essa mistificação vinda do seio da consolidação da dominação colonial inadvertidamente afeta a subjetividade do cidadão da colônia, países semicoloniais e periféricos (cada um com suas particularidades).
No Brasil nós encontramos alguns fenômenos nítidos dessa mistificação ideológica, como os massacres em massa da população indígena sendo normalizada. Com a morte de crianças negras assassinadas pelos agentes do capital sejam eles, a dona de casa branca rica ou a PM. Cada dia mais essa doença vai se espalhando por toda a sociedade que está a carecer de sua cura revolucionária para a destruição das mistificações e ideologias dominantes. Para entrar no coro da história que mostra de onde vem o verdadeiro humanismo, o humanismo dos “Condenados da Terra” dos povos negros da África, dos Orientais que seguem o exemplo de Ho chi minh, e da América Latina carente de novos “ Fideis “.
É imperativo o dever da nossa geração de decretar o Fim do Humanismo hipócrita, que se manifesta com as vozes do império e dos seus lacaios internos. A burguesia brasileira foi fabricada, ela é uma burguesia em sua essência antibrasileira, é uma burguesia fomentada pela metrópole onde aqui eles se beneficiam do racismo e das divisões de classes. Temos hoje no país uma manifestação genocida dessa classe de parasitas sociais seja com amplo apoio ao Maia (projeto neoliberal na qual só existe uma divergência da forma de como o atual governo está colocando esse mesmo projeto em prática) ou ao Bolsonaro. Para lutar pela cura das doenças engendradas na nossa sociedade pelos Impérios, com forte apoio dos seus lacaios internos, é fundamental a negação da posição de dependente, de grande fazenda do mundo, de um país sustentado pelo poder político e econômico de uma burguesia, ainda mais de uma que frequentemente nega seu povo o direito de existência e assim a humanidade do mesmo.
A cura para as feridas causadas pelo expansionismo colonial grita para o mundo através de brigadas médicas atuando em mais de 30 países pelo mundo, esse é o exemplo de Cuba. Outros gritos vêm do Oriente como o caso de 110.000 máscaras doadas a Espanha, 420.000 máscaras e outros insumos médicos para o EUA, e esse é o exemplo do Vietnam. Devemos escutar os gritos pois são de liberdade e ao mesmo tempo são convites para a liberdade, e a destruição dos jugos de dependência que tanto fadigam o nosso povo e a nossa nação.
Devemos ter em mente o alerta de Fanon contra as concepções liberais, e contra um passado idealizado da nossa cultura. Esses são ruídos, eles não podem ofuscar o chamado para a transformação socialista da nossa pátria, esses ruídos devem ser ultrapassados para seguirmos o caminho da cura da mistificação, da destruição do racismo e dos laços de dependência nos quais fazem arder o lombo de 12,7 milhões de desempregados. Ou de 53,5% das pessoas que tiveram sua família afetada pelo Covid-19, ou da população informal que já atinge 50% do nosso povo, 10,3 mil indígenas infectados e a totalidade das nossas classes trabalhadoras obrigadas a trabalhar por um ínfimo salário. Em prol de uma classe medonhamente abjeta com medo de perder as suas taxas de lucro e o direito de ter uma sociedade racista onde “atirar na cabecinha” é facilmente esquecido, ou o “branqueamento da raça” tão louvada pelo vice-presidente, seja todos os dias operacionalizada pelas PMs em todo o Brasil (exemplo das mortes em São Paulo pela PM subiram 31% e na grande São Paulo o aumento foi de 60%).
Os racistas dos setores dominantes da sociedade brasileira estão avançando na tentativa de criar a sua própria simbologia, suas próprias manifestações tendo como base as relações materiais acima citadas como uma base de apoio a sua investida. O racismo estrutural presente nas instituições, está passando por saltos de deflagração da sua orientação que as vezes tomam um ar envergonhado e outras vezes como agora servem para justificar um projeto de sociedade fulcral ao domínio do capital financeiro. É um erro ignorar a face da dominação racista no brasil, pois ela deve indicar um caminho a ser traçado de tentativas da burguesia brasileira em aumentar o grau de mistificação e de dominação da própria subjetividade dos trabalhadores dado o controle quase completo dos aparelhos de dominação de classe.
O racismo aqui está sendo usado como uma arma para facilitação da precariedade perante as classes trabalhadoras. Exemplos disso são os monopólios de Apps como Uber e Ifood são hoje os maiores empregadores do país e em sua maioria são “empreendedores” negros, pobres que chegam a trabalhar até 15horas para ter o mínimo suficiente para sobreviver. O caráter dessa formação e mistificação histórica aqui está na “brilhante” ocultação desses famosos “empreendedores” no qual a mídia o tempo todo os convidam a fazer bolo de pote para saírem da crise, para ganhar a vida com bolo de pote. Contudo, os seres humanos não existem em abstrato eles são reais, eles têm suas condições sociais, suas oportunidades, sua cor da pele e essas coisas convergem entre si no Brasil. Todos os dias estão sendo feitos chamados para as classes mais pobres e majoritariamente negra do país a estarem sendo colocadas em trabalhos de baixa remuneração. Com isso, criando um verdadeiro apartheid social invisível aos meios de comunicação que se eximem da responsabilidade como veículo de disseminação das estruturas racistas. Prestem a atenção em algumas temáticas por exemplo, quantos anos de estudo alguém deve ter para fazer bolo de pote? Ou dirigir para Ifood ou Uber? Quem é mais fácil ser convencido por esse discurso pessoas com altos salários ou baixos? Qual será a etnia mais vulnerável tanto em questões de anos de estudo? Quem no Brasil são as pessoas mais afetadas com baixos salários mesmos quando possuem a mesma qualificação? As relações materiais não vão afetar as relações sociais? E o pior é que eu não conseguiria abordar as misérias do colonialismo e das nossas relações dependentes que utilizam o instrumento do racismo para obter seus superlucros em poucas palavras aqui.
Lembro até hoje de um caso que me despertou a minha mente quando era criança, o fato envolve pessoa amada. O primeiro caso foi de um ente querido meu falar para mim coisas como: “Breno você é tão branco e bonito” e eu o responder “ Tu és mais bonito que eu e fica falando assim? Você ainda por cima é mais inteligente, sabe falar inglês e tudo...” e aí me veio a fala na qual me chocou muito quando era criança, “ mas Breno vc é branco, eu trocaria tudo só para ser branco” e foi uma conversa entre crianças de 8(ente querido) e 9 (eu) anos de idade. Esse episódio marcou minha vida, marcou minha forma de pensar o Brasil e suas contradições, não tem como não se abalar com isso. Em um modelo de sociabilidade saudável criança de 8 anos estaria pensando assim? Infelizmente quando cresci descobri a infelicidade do quanto isso é mais comum do que eu pensava. As influências do racismo na subjetividade dos homens e mulheres negras chegam a diferentes formas, seja alterando sua autoestima, ou do seu humor, na sua sensação de segurança e em várias outras etapas da vida. Quantos intelectuais negros vocês conhecem? Quantos professores negros vocês tem?
O Brasil tem hoje diversas manifestações racistas, mas fechamos os olhos para elas e muitas vezes as normalizamos. A esquerda revolucionária sempre esteve alertando contra o apagamento de gênios como Lélia Gonzalez, Clovis Moura, Luiz Gama, Fanon, Amílcar Cabral e tantos outros, contudo, existe também o apagamento dessa luta revolucionária para nos trazer a lembrança referências tão geniais. Esse duplo apagamento é uma face perversa do capitalismo dependente racista, muitos dos nossos mais incríveis expoentes revolucionários são apagados e colocados como se nunca tivessem existido e isso acontece tanto pelo liberalismo de esquerda e direita. As vozes revolucionárias da nossa época clamam por justiça histórica, eles escutaram o grito há muitos anos e tentaram nos mostrar o caminho. A revolução brasileira, só terá como acontecer com um sujeito revolucionário se manifestando no trabalhador e como disse antes ele não existe em abstrato, no brasil ele é majoritariamente negro. Os gritos devem cada dia mais ecoar no coração das massas e dos trabalhadores brasileiros, clamemos por justiça histórica e faremos pesar cada vida humana ceifada pelos nossos algozes. Quantos marxistas negros são estudados na universidade? Quantos negros são chamados para falar sobre algum assunto que não seja o do antirracismo identitário? Essas manifestações de apagamento demonstram que esse apagamento histórico das experiências revolucionárias negras no Brasil serve ao capital como forma de inibir o conhecimento dos povos do seu passado e assim tentam amordaçar os gritos vindos do Oriente e do Caribe. São maneiras de nos tirar uma teoria revolucionária centrada das histórias dos povos semelhante aos nossos, países que conseguem exercer sua soberania plenamente. Também os povos que são tratados como não humanos pelos pseudos “ humanistas “ que só nos EUA enjaularam mais de 70.000 mil crianças migrantes, de acordo com dados de 2019.
As relações capitalistas podem até, apresentar a si mesmas como “O fim da história” e sendo detentora de relações aceitáveis do modelo político-econômico mundial. Entretanto, essas relações que outrora se colocam como modelo civilizatório andam completamente desnudas quando observamos suas colônias, suas relações racistas e sexistas de dominação imperial sobe os povos coloniais tidos como inferiores, dignos de uma “ditadura pedagógica “ como diria Stuart Mill, ou como Locke que não tinha problemas de justificar a escravidão contra os povos coloniais, e o que podemos falar de Reagan que chamou de macacos os povos africanos na ONU, ou Donald Trump e Barack Hussein Obama II na qual em seus governos prenderam mais de 2000 crianças várias delas com menos de 4 anos simplesmente por seus pais pertencerem a “raças inferiores”? “Povos não dignos de entrar na ‘América’”?
Os países centrais do capitalismo, no mínimo, desde suas “acumulações originárias” continuam contra os explorados e oprimidos, sabotando constantemente os modelos de desenvolvimento adotados pelos países periféricos. É assim na África com o colonialismo aberto e lutas anticoloniais, é assim na América Latina onde as políticas imperiais como A Operação Condor, DoutrinaTruman, bloqueio econômico contra Cuba, Venezuela, Invasão do Panamá e construção do canal do Panamá. Além disso, a nova política atual de golpes de estado como o exemplo das tentativas na Venezuela, Nicarágua, Bolívia, Honduras, ocupação do Haiti e entre outras coisas que podemos buscar nos anais da história ou neste presente momento. E os continentes Ásia e Oceania sofreram sempre formas coloniais abusivas e nocivas para os seus processos de desenvolvimento. Grandes exemplos disso temos a guerra do Vietnã, as Guerras do Ópio e seus casos de supremacia racial, na ocupação imperial francesa na China, por exemplo, existiam cartazes “aqui é proibida a entrada de cães e Chineses”. Ou no caso da Fome de Bengala na qual morreram entre 3 a 4 milhões de pessoas nas mãos do Império Inglês.
É essencial para luta dos explorados e oprimidos do mundo o conhecimento de sua história, de sua cultura, e a luta pela negação dos processos impostos pelos dominadores e poderosos do mundo. O processo de negação muitas vezes passa por estudar as estruturas do modo de produção capitalista, como ele se organiza e a partir da análise desse sistema, realizar uma negação parcial ou total dessa realidade que observamos, o processo de criação do “novo” está em curso. O “novo” modelo econômico deve ser construído dentro de uma realidade material, dentro de problemas reais e lidar com todos os tipos de boicotes dos países que outrora o tratavam como propriedade. O processo de dominação histórica, política e econômica dos países da periferia do capitalismo gerou processos de precarização extrema da força de trabalho, dos níveis de desenvolvimento tecnológico, pobreza e relações de dominação horrendas.
Até quando vamos esperar? Venha gritar! Venha lutar! Vamos unidos encabeçar uma transformação rumo ao fim da hipocrisia Metropolitana, devemos nós construirmos o nosso humanismo periférico, podemos nos curar das doenças impostas e ter o nosso futuro em nossas mãos! A sociedade brasileira precisa passar pelo parto revolucionário, mas precisamos de cada vez mais pessoas ouvindo os gritos dos povos revolucionários do mundo, precisamos de ações revolucionárias, precisamos de você organizado para podermos juntos realizar as nossas tarefas históricas.
Referências:
Prefácio do Sartre nos condenados da terra: https://www.marxists.org/portugues/fanon/1961/condenados/prefacio.htm
Livro os condenados da terra: https://www.marxists.org/portugues/fanon/1961/condenados/01.htm
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