Conhecendo Ratzel.
- Guilherme Melo
- 26 de jan. de 2022
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Texto por: Guilherme Melo.
A partir da ascensão de temas internacionais, vinculados à política internacional, nos meios jornalísticos, busca-se nos meios acadêmicos explicações razoáveis para a existência destes fatos, o que evoca diretamente uma bibliografia recomendada para as relações internacionais.
Não bastando, o arcabouço normativo do direito internacional e uma sistemática regular da política externa dos Estados, em uma teoria das relações internacionais, em especial da Escola Realista, que tentou definir a ação do Estado com base nos clássicos textos de Maquiavel, Hobbes e Tucídides, era necessário ir para termos geográficos.
Com isto, torna-se cada vez mais comum, a presença de geógrafos não só nas discussões do meio natural, mas humano e geopolítico, procurando encontrar no clima, nas paisagens e nas condições geográficas gerais, fontes de explicação para a existência de determinados fenômenos políticos.
Conhecendo essa necessidade editorial e a escassez relativa de materiais acessíveis, ao menos em comparação com a produção da história, sociologia e afins, Ratzel será apresentação introdutoriamente, não para discussões finíssimas e elaboradas, mas para a mais razoável apresentação de teses básicas do autor.
Pensamento do autor
Ratzel seria, como a tradição do pensamento do século XIX, um racista, homem de percepções biológicas acima das sociais? Não, por ser alemão e indiretamente ter ajudado a formar uma escola de pensamento geopolítico, que servirá de fonte nas academias alemães, ele é confundido como intelectual orgânico do nazismo, mesmo tendo nascido e escrito bem antes do seu surgimento.
No século XIX, a sociologia surge com Auguste Comte, o qual Ratzel era notável admirador, a visão positivista desta escola sociológica, queria demonstrar a sociologia como uma ciência exata, que deveria basear seus postulados na Física, com dois conceitos basilares, a estática e a dinâmica, que em outras palavras seriam formas e frequência de leis sociais.
Essa visão de uma natureza social, influenciou o caráter interdisciplinar das ciências humanas deste século, uma parceria entre ciências da natureza e humanas, Ratzel, porém, compreendia que as diferentes organizações políticas não era fruto de uma genética, nisto, ele não era tão naturalista, mas sim, das condições geográficas, aos quais o povo assentado em uma determinada paisagem estava submetido.
As pulsões provocadas pelo ambiente, não eram a mesma que as estudadas por Charles Darwin, como mecanismos de seleção de comportamento por adaptação ambiental, mas construtos humanos, antropológicos, ligados as pressões geográficas, logo o clima, a maritimidade e continentalidade criavam diferentes formas de socialização dos seres humanos.
Ratzel parte da afirmação da “unidade da espécie humana”, contrapondo-se às teorias racistas que definem diferenciações de base no interior da humanidade. Para ele, as diferenças encontráveis entre os povos não adviriam de uma determinação genética do equipamento biopsíquico, sendo ao contrário, frutos de uma história que se desenrola sobre a Terra. (MORAES e FERNANDES, 1980, p.20)
Logo, a sua chave hermenêutica, era a geografia, existiria para o autor uma história geográfica dos diferentes povos, especialmente, para o século XIX, período análogo à formação e consolidação de Estados nacionais, soberanos, diferentes de Estados pontifícios, cidades-Estados ou organizações de outra natureza.
As condições naturais de formação dos Estados, ou seja determinações geográficas, foram fortemente estudadas na Alemanha, seja na escola determinista ou no romantismo alemão, onde a geografia, adquiriria um caráter poético e simbólico para a literatura nacionalista e ufanista, da época, um exemplo mais próximo dos países de língua portuguesa é Fernando Pessoa, com seus poemas em homenagem a Portugal.
Salva as diferenças e semelhanças com a escrita acadêmica do seu tempo, ele também era adepto de conceitos da antropologia evolucionista, ele utilizava os seguintes conceitos, “povos naturais” e “povos civilizados”, a civilização para ele era “a soma de conquistas cultas”, que era resultado de uma utilização consciente dos recursos da natureza.
Essa consciência e civilização era medida pela tecnologia, que seria o instrumento capaz de explorar essa natureza com a consciência de seus processos mecânicos; o que põe em discussão o caráter supostamente racista de Ratzel, é que as tendências relativistas da antropologia, em especial após Franz Boas, que supunha uma visão particularista das culturas é que para Ratzel, a inércia tecnológica era definida como “atrofia intelectual”.
A interpretação ratzeliana necessita de uma compreensão histórica de longa história, para o desenvolvimento destas condições geográficas para o desenvolvimento político e social das famílias, comunidades e Estados, consequentemente, sua avaliação, começa com o sedentarismo permitido pelo domínio da agricultura no neolítico.
Ao seu modo de ver, que aproxima-se dos sociólogos positivistas, vinde Comte e Durkheim, especialmente de acordo com o segundo, esta sedentarização cria uma colaboração e divisão do trabalho, uma cooperação orgânica, cuja toda atividade é vital para a sobrevivência da comunidade.
Assim como Durkheim, pois é a partir dele, que desenvolve o seu conceito de coesão, salva as proporções de cada um, são similares, ou transporto devidamente para a geografia; para o escritor francês, temos duas consciências, uma individual e outra social; um constituído pelo estado psíquico e experiências pessoais e outro que é introjeção de hábitos, costumes e regras comuns.
É na medida que o indivíduo participa do bem comum, que cria esta nacionalidade e depois a sua cidadania, esta coesão é o que permitirá a solidariedade entre os membros da comunidade, primitivamente, a solidariedade mecânica; pois na origem histórica das nacionalidades em comunidades étnicas, os traços sociológicos distintivos de cada classe ou estamento são poucos visíveis, aparentemente formando um todo comum.
Este conjunto homogêneo de atividades e valores é o que se chama de “tipo social” em linguagem durkheimiana, o que permitirá que depois Nietzsche e René Guénon, baseados nessas tipificações possam falar em humores nacionais ou provocados pelas condições geográficas, estando conscientes ou não da contribuição de Durkheim.
Neste momento, esse segmento tendencialmente homogêneo, formado por um conjunto de hordas, passa a se chamar “clã”, este agregado humano de organização familiar e política é fundada definitivamente em uma sociedade mecânica.
é forte, inclina fortemente os homens entre si, coloca-os em freqüente contato,
multiplica as ocasiões que têm de se relacionarem. (...) Quanto mais solidários são os membros de uma sociedade, mais relações diversas sustentam, seja entre si, seja com o grupo tomado coletivamente, porque se os seus encontros fossem raros eles não dependeriam uns dos outros senão de maneira frágil e intermitente. (DURKHEIM, 19667, p.61)
Conclusão
A obra de Ratzel é intrigante e instigante, pois está contextualizada nos debates fundamentais da formação das disciplinas da história e da geografia, onde buscavam-se generalizações explicativas, é notório pela relação próxima com o sociólogo, Émillie Durkheim, que ele não era um escritor excêntrico para a sua época.
Esta visão, genealógica da origem do Estado, fundado em famílias, clã e Estado não é particular deste escritor, é possível encontrar gênese similar na obra “Genealogia da Moral” de Nietzsche e nos antropólogos evolucionistas do século XIX, talvez o que haja de mais particular seu que possa ter contribuído para uma prática política direta, seja o conceito de Espaço vital.
Segundo Ratzel, os povos civilizados teriam dentro de uma consequência lógica, provocada pela coesão, solidariedade, um acúmulo de riquezas causadas pelo domínio tecnológico, isto exigiria espaço físico para a sua indústria, populações e bens que estariam em ritmo crescente, consequentemente, estes povos naturais vizinhos seriam anexados pelos povos civilizados para permitir o pleno desenvolvimento desta pujante economia.
Referência bibliográfica
Antonio Carlos Robert Moraes e Florestan Fernandes, Ratzel – Geografia – Coleção grandes cientistas sociais n0 59. Ed. Ática, 1a ED, 1980, p.20.
DURKHEIM, E. De la división del trabajo social. Tradução de David Maldavsky. Buenos Aires: Schapire, 1967, p.61.
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