Ordem mundial Segundo a Ásia.
- Guilherme Melo
- 28 de out. de 2021
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Imagem: Oliverstunkel.com, 2014.
Ordem, aplicada as relações internacionais, pode ser interpretada como um conjunto de regras e tendências de natureza geopolítica e econômica internacional, que ao contrário de pretensões estruturalistas, tem uma dinâmica, cujo os perfis tem tendências exploradas pelos agentes e transformadas em maior ou menor medida com o suceder das gerações.
Distintamente de uma visão de lei natural, atemporal de relação das nações e do conceito histórico de nação, que transforma-se no léxico semântico e psicológico dos indivíduos em diferentes contextos da história, como a palavra nação para o homem da antiguidade, medieval, moderno e contemporâneo.
O projeto mais próximo de unificação de todo um continente, o máximo possível em termos de organização planetária, foi a Europa Cristã medieval, onde Carlos Magno organizou o sistema feudal, com base em doações para os 200 nobres que o auxiliaram na contenção dos Mouros e expulsão dos visigodos da Espanha no século IX.
A unidade religiosa havia sido frustrada pela sobrevivência e difusão do protestantismo; a diversidade política era inerente à grande quantidade de unidades políticas autônomas que tinham lutado até um impasse. Foi assim que na Europa vieram a dominar, aproximadamente, as características que marcam o mundo contemporâneo: uma multiplicidade de unidades políticas, nenhuma delas poderosa o bastante para derrotar todas as outras, muitas aderindo a filosofias e práticas internas contraditórias, em busca de regras neutras que pudessem regular suas condutas e mitigar conflitos. (KISSINGER, 2015, p. 13).
A hipótese de Kissinger (2012), defendida aqui, corrobora que o papado do século IX até a reforma protestante (1517), tinha criado um sistema de organização política, baseado na suserania e vassalagem mais presente e diluído pelo continente, a nível não só político, mas comportamental.
Um conjunto geral de regras, inspiradas por uma teoria filosófica com duas referências gerais, a patrística e a escolástica tinha organizado o direito, com base na lei natural, uma vez, advinda a reforma, por motivos que fogem o debate deste artigo, criam-se uma ramificação de teocracias.
A paz vestfliana refletiu uma acomodação de ordem prática à realidade, não um insight moral excepcional. Ela se baseava num sistema de Estados independentes que renunciavam à interferência nos assuntos internos uns dos outros e limitavam as respectivas ambições por meio de um equilíbrio geral de poder. Nenhuma única verdade ou domínio universal emergiu das guerras europeias. Ao contrário, cada Estado era reconhecido como autoridade soberana em seu próprio território. (KISSINGER, 2015 p.13)
O tratado de Vestfália, além de ser um compêndio de acordos entre reis, que inauguravam o moderno direito internacional, com uma diplomacia sem interferência direta do papa, mas de um reconhecimento da soberania das nações, criou um pluralismo político.
O período posterior à reforma, foi o ensaio e amadurecimento do absolutismo, o Estado absolutista, fonte até de nacionalismos políticos de extrema-direita, a nível estrito, ao da direita da revolução francesa, conservadora e antirrevolucionária, até contra as reformas tímidas dos Girondinos, que viam no absolutismo, ou antigo regime, fonte de legitimidade.
Na extremidade oposta da massa territorial eurasiana, a China ocupava o centro de sua própria ordem hierárquica e teoricamente universal. Esse sistema funcionava havia milênios – estava de pé quanto o Império Romano dominava a Europa como uma unidade política -, tendo como base não a igualdade soberana de Estados, e sim o alcance supostamente ilimitado do poder do imperador. Nesse conceito, não existia a soberania no sentido europeu, porque o imperador mantinha sob seu domínio “Tudo sob o céu”. (KISSINGER, 2015, p.14)
Sem as condições necessárias e suficientes, a Europa viverá historicamente em um período de guerras do subcontinente, especialmente na região setentrional, com protagonismo para a Alemanha, Áustria e a França e a exploração de novas incursões aos mares navegáveis, nas proximidades do mediterrâneo e dos países bálticos pela Rússia.
Sem condições estas para unificar o continente sob uma ordem comum, em um exercício de história comparada, a União Europeia, exercício de soberania compartilhada, parece soar como algo irônico nesse continente, onde chauvinismo, orgulhos nacionais interagem dialeticamente com o mercado comum e integração das instituições.
O mandato do Céu, chinês, que não pode ser deixado de ser levado em consideração, dentro de uma estrutura de pensamento braudeliana de interação de conceitos de diferentes períodos históricos no presente, influenciados por eventos de longa, média e curta duração.
O continente europeu, nesse período já não conseguia mais ter condições de falar em ordem europeia ou mundial, o mais próximo disso era o mundo chinês; o que altera-se consideravelmente após o período vitoriano inglês que dará condições materiais à Inglaterra de ser uma potência insular, sem precedentes históricos.
No século VII o Islã havia se lançado através de três continentes numa onda sem precedentes de exaltação religiosa e expansão imperial. Depois de unificar o mundo árabe, ocupando áreas remanescentes do Império Romano e subjugando o Império Persa, o Islã veio a governar o Oriente Médio, o norte da África, grandes extensões da Ásia e partes da Europa. (IBID, 2015 p.14)
Além disso, a Europa vislumbrará um inimigo a sua altura, o islã, na condição medieval de potência teocrática, que ironicamente causa a ascensão formal da modernidade, intermediada pela destruição de Constantinopla, por esse grande herdeiro geopolítico que a findou, o Império Otomano, cujo o fim só é alcançado no fim da primeira guerra mundial, mas que deixou de herança para seus fiéis, uma região altamente perigosa e delicada geopoliticamente, fragmentada religiosa e etnicamente, criando inimigo internos.
O mais próximo que a Europa conhecerá na condição de ordem, são as guerras napoleônicas, que carregam consigo valores burgueses anti-aristocráticos das camadas mais moderadas da revolução, inspiradas numa antropologia humana, que concebia a ideia de natureza humana, de linha iluminista, que carrega consigo a responsabilidade de reformar a ordem política europeia.
Mas essa unidade é logo comprometida pela derrota napoleônica e o Congresso de Viena (1814), que objetiva reintroduzir conceitos das monarquias absolutas, numa sociedade cuja mentalidade cultural e dinâmica econômica nada tem com aquela conhecida no mercantilismo, que causará a implosão dessa mesma ordem nas revoluções de 1848.
Uma resposta a essa pergunta precisa lidar com três níveos de ordem. Ordem mundial descreve o conceito sustentado por uma região ou civilização a respeito da natureza dos arranjos considerados justos e da distribuição de poder considerada aplicável ao mundo inteiro. Uma ordem internacional é a aplicação prática desses conceitos a uma parte substancial do globo – grande o bastante para afetar a balança de poder. Ordens regionais envolvem os mesmos princípios aplicados a uma área geográfica definida. (IBID, 2015 p.17)
Ordem regional da Ásia
Historicamente, a ordem europeia tinha se desenvolvido dentro dos limites do próprio continente. A Inglaterra conseguiu, até o início do século XX, preservar o equilíbrio por meio da sua posição insular e da sua supremacia naval. Em determinadas ocasiões, as potências europeias recrutavam países de fora d continente para reforçar temporariamente as suas posições – a França, por exemplo, cortejou o Império Otomano no século XVI, e a Grã-Bretanha estabeleceu uma aliança com o Japão no início do século XX -, porém potências não ocidentais, a não ser em episódios eventuais, como foi o caso de alguns países do Oriente Médio e do norte da África, tinham poucos interesses na Europa e não eram chamadas a intervir em conflitos europeus. (Ibid, 2015 p.145)
O contato geopolítica da Europa com países de outros continentes, pode ser resumido aos mouros da invasão árabe à Península Ibérica, revertida com a reconquista de 1492 e os conflitos geopolíticos, envolvendo principalmente a Inglaterra e o Império Turco Otomano com o receio que seu domínio marítimo impedisse rotas comerciais britânicas.
A ordem asiática contemporânea, ao contrário, apresenta como característica permanente a inclusão de potências de fora do continente: os Estados Unidos, cujo papel como uma potência da região Ásia-Pacífico foi afirmado explicitamente em declarações conjuntas elo presidente dos Estados Unidos Barack Obrama e pelo presidente chinês Hu Jintao, em janeiro de 2011, pelo presidente chinês Xi Jiping, em junho de 2013; e a Rússia, uma potência geograficamente asiática, integrante de grupos asiáticos como a Organização de Cooperação de Xangai, mesmo que três quartos de sua população vivam na parte europeia do território russo. (Ibid,2015, p.145)
A pluralidade política da Ásia, as diversas formas da organização da sociedade, nações milenares e filosofias de pano de fundo para a cultura de suas populações, como o judaísmo, islamismo, xamanismo, confucionismo, entre outros ismos, impedem uma grande integração institucional de toda a Ásia.
É comum a cooperação temática, em torno de núcleos geográficos com base em uma cooperação regional, como da Ásia Central e arranjos internacionais em torno de discussões sobre o pacífico, paz no oriente médio, existe uma balança de poder em disputa para esse grande continente.
Isso provoca esse convite aos Estados Unidos, que na sua história, formou-se como potência insular, antes de tornar-se potência econômica em 1945, inspirado por geopolitólogos como Alfred Mahan e Mackinder; por isso visto como um convidado de honra por países que tenham divergências sensíveis em outros assuntos.
A Rússia, China e o Japão chamaram os Estados Unidos de um país do pacífico, cuja integração marítima poderia levar consequentemente em interações de natureza política e como um observador internacional da organização da cooperação regional e resolução de conflitos locais.
Essa participação dos Estados Unidos nos assuntos asiáticos tem suas divisões temporais, tendo por marco, o ano de 1905, ano da guerra Russo-japonesa, cuja vitória foi do Japão, ele foi responsável por intermediar o Tratado de Postmouth, esta inserção nos assuntos continentais, era um vislumbre da visão de mundo americana, Rule of Law.
O Reino do direito, para a sociedade americana era a expectativa que os governos, especialmente o poder executivo não tomasse medias arbitrárias, que impactassem a vida das comunidades instaladas nas treze colônias, isto se transferiu como valor e estratégia das relações internacionais.
A regulamentação da atividade estatal da política internacional, poderia criar uma tendência previsível de ações tomadas e mecanismos de sanção contra os países rebeldes, esse projeto torna-se mais maduro com a instauração da ONU, porém, já era previsível certou grau dessa estratégia diplomática desde o referido ano de 1905.
Posturas e concepções presentes nos movimentos religiosos, como a ideia de que existem povos escolhidos e abençoados por deus, passariam a povoar o imaginário coletivo da nação que se acreditava eleita para um destino glorioso. A fé nas instituições livres e democráticas também se intensificava. (Karnal,2011, p.148)
Sem adentrar em detalhes metodológicos, é possível conciliar uma certa relação entre a ação social do governante, baseada em uma escolha raciona da decisão pública, sem deixar de envolver valores enraizados da sociedade norte-americana, uma delas, que seu destino era confirmada pela fé de sua população.
Uma outra característica da introdução desse país no mundo asiático é a multiplicidade de países, diversos culturalmente, sem características demográficas, econômicas ou estatísticas de qualquer natureza claramente comparáveis, a não ser em blocos e estudos de casos, diferentemente da Europa, eles entendem que não é possível regras formais universais, pois elas não são aplicáveis.
Tendo em vista as vastas dimensões da Ásia e o seu grau de diversidade, suas nações forjaram uma espantosa variedade de grupos multilaterais e mecanismos bilaterais. Ao contrário da União Europeia, da OTAN e da comissão para Segurança e Cooperação na
Europa, essas instituições tratam de temas relacionados à segurança e à economia, lidando com as questões caso a caso, não como uma expressão de regras formais de uma ordem regional. Alguns dos grupos mais importantes incluem os Estados Unidos, e alguns inclusive econômicos, são apenas asiáticos, do qual o mais elaborado e significativo é a ASEAN, a Associação das Nações do Sudeste Asiático. Seu princípio básico é o de acolher aquelas nações mais diretamente envolvidas com as questões que estão sendo tratadas. (KISSINGER, 2015, p.145)
Conclusão
Em aspectos gerais, os países asiáticos são emergentes, muitos tem uma compreensão de uma intervenção não natural (KISSINGER, 2015), nos seus assuntos internos, a China chega a considerar o período colonial britânico e japonês como a era das humilhações, existe aproximadamente uma visão de que o mundo tende a se normalizar por conta do final do período colonial.
De todos os conceitos de ordem mundial que já existiram na Ásia, aquele adotado pela China foi, de longe, o que funcionou por mais tempo, o mais claramente definido e o mais distanciado das noções vestfalianas. A China percorreu também a trajetória mais complexa, indo de uma antiga civilização, passando por um império clássico, daí para a revolução comunista até atingir o status de uma grande potência moderna – um rumo que acabará por exercer um impacto profundo sobre a humanidade. (KISSINGER, 2015 p.148-9)
O exemplo chinês, cuja as formas de governo variaram e se expressaram antes das invasões britânicas, como formas concentradas na dinâmica interna desta civilização, se integrando mais fortemente com o mercado mundial com a campanha imperial britânica de abertura dos portos.
Mesmo, o seu marxismo, após a Revolução comunista, pode ser pensado como um marxismo aplicado à China, cujos resquícios imperiais não foram totalmente diluídos na cultura e na política chinesa, após a Revolução Cultural de Mao, a unificação da China, na condição de nação unificada dar-se no 221 A.C. pois cabe a nações milenares, uma pesquisa no mínimo arqueológica sobre sua história.
A China buscava constituir na Ásia uma rede de Estados tributários, que segundo sua leitura de mundo, expressavam uma visão transcendente do universo, que era uma hierarquia mística, cuja a China representava o ápice desse grau, expresso pela sua cultura, o Imperador Chinês, era considerado uma divindade, um pontífice no mundo, que governava temporalmente e atemporal.
A China, também, não atribuiu a si, como no período das grandes navegações, a obrigação de converter as nações ao seu estilo de vida, a tributação dos Estados, dava-se por um respeito que eles deveriam ter ao imperador, logo dissuadir, impor respeito era um seu objetivo, mas converter ao seu estilo de vida, jamais.
Os atuais exegetas das relações internacionais, quando es estado de honestidade intelectual, independentemente de suas posições pessoais sobre a China, reconhece que as navegações europeias rumo às Índias, reconheciam na Ásia anseio de uma terra própria, e que nela, segundo registros históricos, a sua ordem era sinocêntrica.
O Rei Jorge III da Inglaterra, o primeiro rei moderno a propor relações de livre comércio com os chineses, foi recebido através de seu ministro George Macartney com as seguintes palavras na China, “Embaixador Inglês trazendo um tributo para o Imperador da China”, nessa ocasião, o Imperador chinês quis provar que era “Senhor de todas as coisas sob o céu”.
A decadência oriental começou somente em 1842, quando a China assinou o tratado de Livre Comércio do Ópio, ameaçada por uma sofisticada marinha inglesa, as reformas dos anos 1990, que a permitiu inserir nos assuntos globais, saindo de uma diplomacia de baixa performance para o mais importante país asiático contemporâneo, expressa não a ascensão desse continente, mas o retorno ao lugar que sempre enxergou no mundo, o centro e no caso da China, o Império do Meio.
Referências
KISSINGER, Henry. Ordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva Ltda, 2015. Tradução de: Cláudio Figueiredo, p.13, p.14, p.17, p.145, p.148, p149.
KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2011, p.148.
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